"NÃO EXISTE NENHUM LUGAR DE CULTO FORA DO AMOR AO PRÓXIMO"

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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Ali não me cabe mais



Deixei de ir à igreja.

Não há nada que me motive mais a ir a cultos dominicais ou mesmo reuniões em grupos, que são bem comuns nas comunidades cristãs. Já não conseguia mais nem cantar “louvores”, ou melhor, acompanhar os cânticos executados na igreja que frequentava. Na sua maioria, são os mesmos que são cantados e tocados nas demais igrejas semelhantes. Lembro-me da última vez que estive em uma; ao entrar, via o rosto de todos, cansados, na expectativa de que algo transformador fosse dito ou oferecido durante aquelas horas. A expressão facial de quem os recebia era o oposto: sorriso tragando as orelhas como se o mundo fosse feito de pavê. Ainda consigo escutar o som das vozes de quem “ministrava” o momento musical e dos instrumentos que o acompanhava. Era um “barulho” de um sino de igreja misturado com uma banda de heavy metal em um momento de solos instrumentais simultâneos. Tive uma espécie de taquicardia psicológica. Fui empurrado para fora do templo de uma forma quase que inevitável.

O que parece exagero é apenas um resumo do que sentia naquele momento. A minha namorada que estava lá comigo, na hora não entendeu nada. Fui por muito tempo dedicado aos diversos ministérios que surgiam na minha trajetória em igrejas cristãs. Participei de muitos, liderei alguns. Quase sempre estava envolvido diretamente na organização das muitas manifestações e movimentos com o objetivo de difundir nossas crenças e alcançar o maior número de pessoas possível. Por isso a surpresa dela naquele momento.

Por muito tempo me comportei como quem não podia errar, para que outras pessoas também não errassem e “pecassem”. Esse mal me perseguiu por alguns anos. Escutava sempre que gente como eu precisava ser referência, para que ninguém tropeçasse na fé por minha causa. Era preciso dar “bom testemunho” ou então eu seria responsabilizado se alguém se desviasse do caminho. É o que todos escutam nas diversas igrejas e denominações. Umas com um discurso mais contundente, outras mais sutis e estratégicas. Tantas vezes fui forçado, por toda essa pressão, a ser o que eu não era, ou sou. Alguns sofrem dessa doença até hoje. Eu saí correndo da igreja e ali nunca mais voltei.

Não demorei muito para perceber o bem que eu estava me fazendo, ou que Deus estava me permitindo fazer a mim. Ele é digno de todo louvor e adoração. Imagino que ninguém tenha plena consciência da soberania de Deus, sua grandeza, seu poder. Sempre irei louvá-lo. Quando fizer isso, quero que seja de todo o meu coração, não quero que seja automático, apenas um acompanhamento ou costume semanal.

Foi interessante como comecei a notar que o show de domingo não poderia ter falhas. Via claramente na preocupação dos organizadores em que tudo desse certo. Vi muita gente sendo humilhada, usada, enganada, para que caprichos dos líderes fossem atendidos. É uma seita em potencial. A idéia é que a reunião semanal, normalmente aos domingos, seja tão “tremenda” que o espectador fique ansioso pelo próximo encontro. Não tem nada a ver com Deus. Na maioria das vezes eu voltava para a minha casa pior do que estava antes de sair para o denominado culto. Porém com uma baita crise de abstinência. Efeito semelhante ao que a cocaína pode causar.

Eu não vejo razão nenhuma para reuniões de domingo (cultos) que acontecem atualmente. Para mim são dispensáveis. Tudo que é oferecido ali é o melhor que Deus pode fazer por nós. É como a fada madrinha dos contos infantis. Estamos confundindo tudo. Achamos também que Deus é um ser carente, precisa ser mimado, todos temos que adorá-Lo, servi-Lo, cantar para Ele para que não fique triste. Eis a raiz da questão. Por acharmos tudo isso, inconscientemente não damos valor aos momentos em que deveríamos nos prostrar e adorá-Lo de todo coração. Nem ao menos temos noção do que isto represente. Por que? Simples! Não O conhecemos, em primeiro lugar. O primeiro contato que temos com Deus ao chegarmos à igreja, é sobre o que Ele pode fazer por nós ou pelos nossos problemas. Mesmo sem saber ao certo quem Ele é, aceitamos o que nos é proposto. O fator preponderante é que sejamos atendidos, e rápido, se possível. Conhecê-lo deve vir primeiro que torná-lo conhecido, segundo a bíblia. A partir daqui, começo a entender que Deus precisa ser conhecido por mim.

O processo de entender a grandeza de Deus, a criação da vida, o Seu relacionamento com o homem, o Seu evangelho, me impulsionam naturalmente a reconhecer a Sua divindade, a beleza da Sua santidade, o Seu Amor. O meu coração e a minha alma se dobram diante da sua maravilhosa luz. Não é por costume ou pelo que Ele tem a me oferecer, mas simplesmente porque Ele é Deus! Depois que isto acontece o meu coração fica cheio de amor, de misericórdia, de perdão. Assim como Moisés quando desceu do monte. Esse é o reflexo do contato com Deus. Não sei como, mas essa “conexão” com o Pai que nos criou à sua imagem e semelhança vai sendo deixada de lado gradativamente. Trocamos o melhor do relacionamento, uma vida em espírito e em verdade, uma adoração de todo o nosso coração, por costumes inúteis, corrosivos, nocivos, destrutivos.

Deus quer adoração em todo tempo e não em um breve encontro. Torná-lo conhecido fica fácil depois de conhecê-lo de verdade, todos verão em nós, não mais nos será um fardo testemunhá-lo, mas um prazer. Depois daquela fuga repentina, que me fez tomar decisões importantes, parar para ver o que eu já via, porém não percebia, entendi muita coisa. Foi preciso sair de toda aquela “muvuca” para aquietar o meu coração, acalmar a minha alma aflita. Ainda assim, precisei ir a outras comunidades que ofereciam algo diferente. Acreditei em algumas, sedento por um lugar ou pessoas que pensassem como eu, que quisessem apenas o que Deus quer. Foi frustrante. Parecia diferente no início, mas era tudo igual, com a mesma intenção. Ora, se tem membros, logo, tem arrecadação, sendo assim, é preciso manter costumes que segurem os participantes e os submetam a um ritmo estável.

Por outro lado, há igrejas novas, com propostas mais atuais, que nem usam nomes de igrejas. Mas ao participar delas, notamos que ainda estamos presos ao passado, inveterados nos velhos moldes. Desconfio até que não funcionaria de outra forma. Esta parece ser a mais eficaz. Senão vejamos: descolamos um lugar bacana, com cadeiras na direção de um púlpito, montamos um grupo de louvor (músicas), colocamos pessoas sorridentes para receber os participantes na porta do estabelecimento, um pastor e por enquanto basta. A liturgia pode ser a de praxe: Uma palavra de boas vindas, um momento de cânticos, uma pregação cativante e motivadora, momento de contribuição, para algumas igrejas um momento de comunhão (Santa Ceia), breves avisos e a despedida. Umas igrejas mais pentecostais fazem o famoso apelo, que tem feito muito sucesso, quando não aumentam a membresia, acalentam a já existente. Montamos uma nova igreja. Mais zumbis irão circular e vagar por aí.

Eu sonho fervorosamente com pessoas se reunindo apenas para conhecer mais de Deus. Dedicar a Ele momentos de louvor, ou seja, ter o reconhecimento da sua grandeza, santidade, misericórdia, soberania. Provar do Seu amor apenas porque é inevitável aproximar-se dele sem que isso aconteça. Fazê-Lo conhecido pelo amor ali cultivado. Ser igreja de Cristo como corpo que faz valer, vai à luta, arregaça as mangas da camisa para ajudar a quem precisa, gastando tempo com quem necessita de um apoio, seja financeiro, psicológico, espiritual, o que for. Há - e como há! - quem precise de apenas um pão, um abraço, um teto, um cobertor.

Enquanto isso, perdemos nosso tempo, que já não é muito, com conversa fiada entre quatro paredes “santas”. Estamos completamente equivocados. Já ouviu falar em boas intenções? Dizem que o inferno está cheio delas. Para toda essa loucura é preciso um remédio que anestesie o clamor que nasce no nosso coração buscando repostas, uma fagulha do “fogo divino”. Inventaram então os famosos retiros espirituais com nomes e temas diversos.

Já vi de tudo. É como se fosse um final de semana com Deus. É tudo que você precisa: maravilhoso, inesquecível, transformador! De fato, Deus em sua infinita misericórdia, responde aos que o buscam, pena que dura só até o domingo. Na maioria destes encontros, tenta-se aplicar uma cura espiritual de males causados pela própria instituição. Aproveita-se para falar em dons espirituais, aqueles que deveríamos buscar com zelo. Renovação, reconciliação, cura, perdão, entre outros que não praticamos no dia a dia. Guardamos para que se realize em um momento especial. Algo parecido acontece no carnaval. Festa popular mais querida no Brasil, país em que nasci e vivo até hoje. Mas, esta manifestação do povo é ignorada pelos evangélicos, crentes, cristãos protestantes, chame do que quiser. Nós também nos retiramos nesta época. Todos os terreiros de macumba ficam em carga total, nós, estamos ausentes. “É um evento do diabo”. Foi o que sempre ouvi de alguns pastores, líderes religiosos e de juventudes. Quase uma semana de brincadeiras, músicas, danças, bebidas e diversão de todo tipo que se possa imaginar. O sexo parece ser mais atrativo nesta época, os apelos se intensificam.

E a igreja? Bem longe dali! Nossas ovelhinhas precisam estar protegidas das tentações. “Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós”. Quem está fugindo afinal? Mas tem outra trupe, a galera do evangelismo. Essa é crente de verdade. Eles chegam abalando no carnaval. Todos com a mesma camisa (branca é claro), com uma pomba desenhada, alguns com bandeiras para que não reste dúvidas, bíblia nas mãos, panfletinho e uma língua afiada. São os santos no meio dos perversos. Vez ou outra passa um membro da igreja que saiu para as ruas para brincar e sem querer esbarra com essa “turma do bem” e se sente a pior pessoa do mundo, um imundo, sujo, um pecador sem perdão.

A minha família brinca carnaval desde sempre. Cresci ouvindo vassourinhas, frevo muito conhecido por aqui onde moro. Aliás, o frevo é o ritmo mais característico de nossa terra, porém desconhecido pela igreja, pelo povo que todo ano se retira. As troças de carnaval e a irreverência apenas vistas nesta época do ano são deixadas de lado e nada aproveitadas por este povo. Alheios a tudo isto, nós seguimos ignorantes a tantas outras coisas que são vistas no carnaval, como o coco, ciranda, maracatu, caboclinho, a cultura local em sua maior expressividade. O Carnaval, historicamente, como festa popular, foi visto pela primeira vez em Veneza, na Itália, com pierrôs e colombinas, máscaras que foram criadas para que o povo se misturasse, entre classes sociais.

Quando aqui estamos no período de carnaval, e decidimos participar da festa, nos colocamos como os melhores, os detentores da verdade, os salvos que levarão a salvação para todos. Quando meus tios e tias, meu pai, primos primas, saem nas ruas para brincar carnaval, eles se divertem, participam de movimentos irreverentes, descontraídos, ficam juntos da família. Se nós não fugíssemos do carnaval, ou se não estivéssemos ali apenas para sermos os melhores, talvez a gente também aproveitasse esta festa do povo. Como crentes mesmo, servos de Deus. Por que não? “A alegria do Senhor é a nossa força”. Não precisaríamos falar nada, nem papeizinhos para entregar. Seríamos reconhecidos pelo amor que há em nós. Não há no mundo, nem na nossa cidade, momento melhor para isso. Para brincarmos também. A vida é divertida. Mas isso é discurso de desviado, diriam alguns crentes que conheço. É exatamente isso: estou completamente desviado, desligado, desarraigado daquele pensamento preconceituoso e segregador. É lindo ver uma troça passando, um frevo ao fundo e fantasias engraçadas e inteligentes. De fato, é uma pena pensar que a idéia de que a verdade está nas mãos de apenas um povo, além de romper gerações, está cada vez mais sólida.

Em pensar que os colonizadores ao chegarem por estas terras pela primeira vez, contemplaram a maravilha da criação de Deus, mas tinham em suas mãos toda a pretensão de que eram os portadores do conhecimento divino, pregando, evangelizando e violentando tudo que encontravam pela frente, certos de que se não realizassem tal feito, Deus deixaria de ser conhecido pelo povo que aqui vivia. Esse retrato se repete ao longo da história. Agimos assim também, cheios de verdades absolutas, idéias separatistas, capazes de criar fronteiras. “Eu to fora!” Deus é infinito, não cabe nos nossos conceitos limitados. Tanta gente que acreditamos ser infiel, incrédula ou algo do tipo, tem experiências maravilhosas com Deus; ou de fé para compartilhar conosco, basta baixar a guarda, ter humildade, se render e crer que o Pai se revela aos seus filhos, da forma dele, não da nossa.

Grande é a surpresa, assim aconteceu comigo. Ao encher um copo com água, percebo que se ultrapassar o limite, a água irá transbordar, escorrer pelo vidro do lado de fora e molhar a superfície que se encontra o copo. Posso concluir que se eu estiver cheio de alguma coisa, quem se aproximar de mim será naturalmente alcançado pelo que me encheu. Acredito que é assim que funciona com o amor de Deus. A busca continua... Tenho bom ânimo. Irei perseverar até o fim! Que a Água da Vida transborde em mim e seja derramada, aonde, como e quando Ele quiser. Amém!
Leo Rocha.

(Parágrafos e sublinhados meus- RF mãe do autor do texto)

3 comentários:

Regina Farias disse...

Sou suspeita, mas confesso que um dos textos de Leo que mais me encantou foi esse, como também confesso que não havia surpresa quando o li.
E não posso deixar de dizer o quanto fico feliz, como mãe, em constatar no cotidiano essa maturidade, essa serenidade, essa fé, essa certeza e essa consciência como fruto de uma experiência estritamente pessoal com o Autor da Vida que não habita mais em templos feitos por mãos humanas.
A ELE toda glória!

René disse...

Rê,

Que maravilhosa expressão da atuação do Espírito de Cristo em uma pessoa!!!

Este texto expressa aquele momento "mágico" para nós, quando o Espírito arranca as escamas de nossos olhos e revela qual é boa e perfeita vontade de Deus para nossa vida! E, claro, essa vontade, por ser perfeita, se choca completamente com a religiosidade que nos é apresentada como sendo o verdadeiro Deus. Então, a Verdade faz toda essa mentira desmoronar, desabar, diante de nós!

Como não poderia deixar de ser, o Léo reagiu como Elias, diante da maravilha da revelação de Deus: se sentiu só, o único a receber essa revelação do Senhor, sem saber que ainda há outros "sete mil que não dobraram seus joelhos a Baal". Mas também isto o Senhor vai revelar a ele, assim que este conhecimento "de ouvir falar" se transformar no "agora te conheço face a face", como o Senhor sempre faz com os Seus filhos.

Essas palavras, ainda que representem um desabafo, são motivo de alegria indescritível. São aquelas palavras que promovem a maior festa nos céus e deveriam promover a maior festa também na terra!!

Você é abençoada, Rê! "Os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá" (Sl 127.3).

Muita Paz!

Conexão da Graça disse...

Oi Regina, graça e paz!Que alegria ter vc no conexão.Li o texto que o Leo escreveu, profundo e realista.A Igreja se esquizofrenizou e se alienou com medo de dar a cara a tapa.Virou uma agremiação religiosa, onde a confecção de uma carteirinha de membro tornou-se o ingresso do céu, pacificando a mente daqueles que se contentam com uma vida no Evangelho de superficialidades.O texto do Leo, agrega todos os pensamentos a que me tenho proposto colocar em discussão no blog.A alienação insensibiliza, a arrogância e prepotência da convicção de pertencer ao "Seleto Clube Igrejeiro dos Salvos" brutaliza, gerando assim exclusão e segregação daqueles que seriam alvo do carinho do Pai.Valeu querida, um abração pra vcs dois.Franklin