Baseados em versículos soltos do
NT* versus Lei Mosaica, ainda vemos, em pleno século XXI, denominações cristãs exigindo,
de seus membros, que se casem apenas com
pessoas de ‘sua doutrina’. Os pais, por sua vez, pressionados por essa
imposição, afligem seus filhos com tais exigências. Trazendo essa regra à risca
para dentro de seus lares, dão continuidade a uma inadequação familiar advinda
da religiosidade instalada em nome de Jesus.
Por acaso a Idade Média é aqui?!
Por acaso a Idade Média é aqui?!
É claro que não existe família
perfeita, mas é claro também que, baseados em determinação rígida e usando versículos bíblicos
aleatoriamente, não temos exatamente um perfil determinado de família saudável.
Os exemplos estão aí aos montes, saltando aos nossos olhos, para nos provar
isto. Ora, os jovens não são tolos e, obviamente, quando começam a se encontrar
e percebem diferenças muito grandes nos valores e conceitos, eles mesmos nem
chegam a se afinar com facilidade. O santo não bate - ouve-se com
frequência. O bom senso diz que a própria divergência já se constitui um
bloqueio natural, sendo desnecessária a atuação do guru espiritual para ditar
normas doutrinárias sobre uma relação que se inicia.
Alguns aspectos são fundamentais
como sinalizadores de uma união em potencial. Isso não se discute. Mas isso não
compete aos pais, menos ainda à religião, e tão somente ao casal. Tudo se
inicia na atração que se torna um estágio durante toda a vida conjugal. Atração
esta, associada ao romantismo que se instala, produzindo o contentamento mútuo
que, por sua vez, capacita o casal a ter zelo um pelo outro, promovendo
segurança e lealdade. Assim, a amizade
instala-se gradativamente, à medida que o casal vai compartilhando os
mesmos pensamentos. Junte-se tudo isso ao amor ágape que está ligado diretamente
à ação, à vontade, à vida prática e tem-se um relacionamento em conformidade
com a vontade de Deus. Ponto. Passou disso é imposição religiosa.
Muitos pais colocam um fardo de
expectativas religiosas em cima dos ombros dos filhos de tal maneira que nem
percebem a crueldade de tais imposições que provocam danos terríveis à psiquê
desses jovens. Esses mesmos pais, por sua vez, já estão adoecidos na alma,
sendo frágeis, susceptíveis e vulneráveis, por lhes ter sido repassada ao longo
da vida, uma verdadeira cartomancia bíblica onde a orientação para a existência
está no púlpito/consulta. E a ansiedade em ver desejos pessoais atendidos começa a gerar
uma série de equívocos. Tudo em nome de Deus. Então, instala-se o caos: Deus
disse isso. Deus disse aquilo. Deus mandou eu te dizer... E por aí vai. Tudo
com base no sentimento e na vulnerabilidade circunstancial. ‘Eu senti que foi
comigo’. ‘Me senti de te falar’. E tudo
fugindo do bom senso, da lucidez, do discernimento, da sensatez. Enfim, de tudo
que, de fato, tem a ver com Deus. Sem contar que muitas mães, por não terem o
domínio no comportamento do filho, aproveitam para manipular o que foi dito de
púlpito, na tentativa de disciplinar pelo medo, inventando ‘profetadas’ e
‘revelamentos’, sempre colocando um pesinho sádico na mão de Deus.
Eu poderia citar vários e vários
casos dessa doideira que daria um livro. Sei de vários casos específicos de
meninas que vêm abrir o coração comigo. Tem um caso bem recente, que só não
digo que é cômico porque, em si, é trágico. O rapaz com quem ela se relacionava
foi ‘orientado’ a afastar-se dela porque ela é católica. ‘Orientado’ é
eufemismo, pois chega a ser patética a apelação da mãe usando até de chantagem
sobre a própria saúde física para que o rapaz se afastasse da moça. Como
se ambas as denominações não confessassem o mesmo Jesus Cristo. Já começa daí a
característica seitária. A parte que seria cômica fica por conta da restrição
feita a quem ainda não se batizou na água mágica que purifica de todo pecado. Ele
está aproveitando para ‘ficar’ com as outras meninas, sem relacionamento
afetivo nem emocional. Puro sexo, mas não sexo puro. Putaria, dito em português
claro. Relacionamento normal com uma menina católica, nem pensar. Isso não tem
salvação, vai pra o inferno.
Por acaso esses pais pensam que o
único abuso que provoca sérios distúrbios é só o abuso sexual?! Quem assim
raciocina precisa rever seus conceitos urgentemente. Sob pena de presenciar seu
filho e sua filha enveredando por uma rua sinuosa, escura e sombria que conduz
a um sinistro abismo de conflitos interiores, muitas vezes sem volta. Daí o
abuso emocional talvez ser mais grave ainda que qualquer abuso físico, em
alguns aspectos. E a armadilha está na disfunção gradual e velada, que se
inicia na suposta segurança do lar.
Mas, como adquirir formação
saudável e equilibrada de pais equivocados, assustados e pressionados por uma
constante cobrança religiosa? Infantis espiritualmente, orientam de maneira
igualmente infantilizada acerca do Deus neurótico e coletivo que ‘a doutrina’
lhe apresentou, repassando essa herança maluca. Sem conhecer a Deus pessoalmente nem poder amadurecer
nesse relacionamento, como repassar aos filhos uma maneira correta, segura e
serena de relacionar-se com Deus?
O filho, por sua vez, mesmo
sabendo que chega o momento de andar com os próprios pés, de buscar novas
informações, de filtrar o que era lenda, tabu e crença para poder respirar em
paz, ainda assim enxerga um ‘cordão umbilical’ firme e resistente. Então, fica
aquela salada na mente do jovem preso. E, por mais que ele receba ‘informações
externas’, já está instalado um tremendo complexo de culpa, advindo da pesada carga
de terrorismo que recebe do púlpito e que tem o enorme poder de aprisionar e engessar. Alie-se
a isso, toda um gama de energia emotiva e afetiva que envolve os laços familiares.
Então, ele se rende à confusão sentimental daqueles ambientes que,
supostamente, lhe dá segurança.
Resumo da ópera: sem querer
desagradar a mãe ( que, geralmente, é quem pega no pé), o filho treme de medo
de um castigo dos céus, vivendo uma vida totalmente fake tentando despistar
os próprios temores e vontades. Pra completar, é informado de que Deus vai
pegar leve com quem ainda não se batizou. Isso é um flagrante incentivo
(in)direto para o filho macho, advindo de uma cultura religiosa machista. Então,
ele abre mão do relacionamento saudável rejeitado pela mãe, e ainda tem a
benção dela para ‘ficar’ por aí sem compromisso. Enquanto não se batiza. Crente
que Deus passa a mão na cabeça, já que a própria mãe o faz. Se bem que – bora
combinar - lá no fundo da alma, algo lhe diz que ele está errado. Assim como
diz também, à mãe, a mesma coisa. Mas ambos se calam e consentem no engano. E ele
segue. Inventando uma realidade paralela para não se culpar, não se cobrar, e assim,
não sofrer. Engavetando todos os sonhos e planos, mentindo para si mesmo. Repetindo
silencioso e angustiado mantra que quer ser ‘servo de Deus’. Seguindo para o
monte, onde o oráculo lhe dirá o que deve e o que não deve fazer.
Neuroticamente. Paranoicamente. Esquizofrenicamente. Em nome de Jesus.
RF.
* 2Coríntios 6: 14-16
Paulo disse que não tem como juntar opostos de maneira harmoniosa. Ele pode ter se referido a associações de negócios e/ou relacionamentos com pagãos. Entretanto, era mais provável que ele estivesse se referindo a associações com falsos apóstolos, a quem ele considerava responsáveis pela recente divisão de seu relacionamento com a igreja de Corinto. (Adaptado de A Bíblia da Mulher - EMC -SBB - 2ª Edição- 2003- pag 1469)
(Ver também: 1Co 3.16; 6.19 - 2Co 11:13.15 - Lv 26.12 - Ez 37.27).