“O
anencéfalo jamais se tornará uma pessoa.
Em síntese, não se cuida de vida em
potencial, mas de morte segura.
Anencefalia é incompatível com a vida.”
(Marco
Aurélio Mello, ministro do STF, relator do processo)
Irmã Regina. Como falou em
democracia, me encorajou escrever discordando. Muito antes de ser crente, já
era contra o aborto em qualquer situação, e continuo sendo, mais ainda por
princípios (não denominacionais). Independente do tempo de sobrevida do feto (criança,
ser humano), ou do risco à gestante, penso no aspecto prático. O que estou
praticando? Enfim, o que estou fazendo é certo? O que estou interrompendo? E
minha fé, não permite vislumbrar a esperança de um milagre? Pois confio em
Deus... De qualquer maneira, será que um feto anencefálico não sofre, não sabe
o que está acontecendo? Não tem direito a poucas horas ou poucos minutos de
vida? Bom, faço essas perguntas em forma de reflexão para somar e não para
contender. Continuarei respeitando quem tem essa opinião, mas discordarei dessa
prática sempre. Deus abençoe.
(Comentário em: Sobre a descriminalização do aborto de anencefálicos).
Olá, Márcio.
Então...
Exercício da democracia (numa linguagem mais informal) é isso. Dizer o que se pensa sem agredir ou querer
impor a própria forma de pensar. MAS, TAMBÉM, sem levar para o lado pessoal nem
colocar rótulos, nem xingar, nem ficar com raiva de quem divergiu. Aprecio
isso demais! Digo isso porque essa postagem já rendeu cada uma... Vou dizer - reafirmar - o que eu penso (pra variar rss) mas veja lá, quero ser sua amiga sempre, viu? ;) E, principalmente, irmã em Cristo!
Pois muito bem...
A descriminalização acontece justamente
para que se faça uma escolha. Para que respeite a opinião e a escolha de cada um. Faz quem quer. Não é obrigado. Ninguém está impondo nada. Mas
que foi bem informado, isso não se pode negar. Portanto, ninguém venha dizer que
não houve informação. Além do mais, a pessoa só pode formar uma opinião a
respeito de um assunto depois que fica a par de todas as informações. Particularmente nesse assunto, onde inúmeros casos dramáticos culminaram em sua legalização.
Por tudo isso (sem
querer impor minha ideia), eu não sei se você leu bem direitinho tanto
na questão bastante esclarecedora do âmbito legal como, PRINCIPALMENTE, do âmbito
médico, que respalda o primeiro com muita seriedade, segundo a OMS.
Pra começar - como diz o texto -
descriminalizar significa deixar de ser crime. Isso quer dizer que o direito de
abortar o anencéfalo tem toda uma história, um contexto, não surge do nada. Como
diz a máxima em latim, do fato nasce o direito (no caso, do feto). Pois, depois de inúmeros casos bem
pessoais de risco de vida analisados, foi que se chegou a essa resolução jurídica.
Desculpe discordar, mas isso não tem nada a ver com fé. Tem a ver com conceitos que se formam a partir de culturas repassadas e que se dá o nome de preconceito (pré - conceito = conceito formado ANTES de conhecer a situação em sua amplitude, em todas as suas nuances). Tem a ver com nossas crenças, com certos princípios, com a cultura religiosa, com o ambiente em que se vive. Enquanto, na verdade, trata-se de uma realidade
sem volta que põe em risco a vida da mãe. É duro, mas é simples de entender,
é só atentar para a clara explicação médica.
Muito antes dessa aprovação houve
milhares de casos que foram levados ao juiz da própria comarca e que muitas
vezes (pela morosidade do processo) a gestante veio a sofrer riscos terríveis,
além de abalo emocional e psicológico; e no fim, a gravidez veio a termo e com um final sempre triste.
Bem, os casos foram inúmeros, mas
consta no histórico desse processo, um caso particularmente dramático de uma menina de 16 anos
que teve uma gravidez sobressaltada do gênero, noites e noites de angústia, tendo hemorragias constantes e
que, correndo sério risco de vida, teve que se sujeitar à espera da decisão judicial.
E, quando tal decisão saiu, já havia ocorrido um parto complicado com o bebê natimorto. Você tem noção do que passou essa menina durante esses nove meses? Você gostaria que ela fosse uma irmã sua ou sua esposa? Você acredita mesmo que ela é uma menina desalmada, sem princípios, sem Deus na sua vida?
Não são poucos os juízes que –
mesmo sendo contra, devido a esses mesmos princípios que você alega - tiveram que
assinar autorização, por causa de situação idêntica que essa menina passou. Veja no link abaixo o caso de um
magistrado, que teve que deixar suas convicções de lado e usar o bom senso; conscientizando-se e reconhecendo - pelo conhecimento médico e jurídico - que o principal objetivo
era 'resguardar a incolumidade física da mãe’. E eu vou além, dizendo que se
deve resguardar não apenas a incolumidade física porque afinal, não tem como se
fazer uma dicotomia do ser. Veja que ele não poderia tomar uma decisão de forma parcial, de acordo com a carga de informação cultural que recebeu; é então que sabiamente, o magistrado repensa e toma uma atitude flexível. É disso que falo. Foi esse meu enfoque quando fui rotulada de relativista. Entretanto, o que eu tenho aprendido na vida é que não podemos ser inflexíveis e intolerantes diante das situações que surgem.
Veja, não digo que é o seu caso,
mas eu tenho muito cuidado com esse extremismo em nome da fé. Não podemos
radicalizar e simplesmente dizer, ‘sou contra’. Os casos não surgem do nada nem
simplesmente de uma vontade torpe, uma infantilidade, uma leviandade ou mera vaidade.
Não tem absolutamente nada a ver apenas com querer abortar por ser feio ou incômodo. Trata-se de um caso totalmente atípico. Também não tem nada a ver com
outras deficiências perfeitamente compatíveis com a VIDA como, por exemplo, no
caso do ‘down’. Isso é outra história completamente diferente!
Eu sei que é polêmico e forte o
que falo mas, na minha opinião, repito, isso não tem
nada a ver com fé. A meu ver, é justamente o contrário. É querer que Deus
desfaça o que Ele mesmo fez. É forçar uma barra de algo que se apresenta muito claro e que só não vê quem não quer. As pessoas não se conformam com a realidade e
creditam isso a uma falsa fé que, na verdade, é um conjunto
de crenças que lhes foi repassado culturalmente. Na fé, ao contrário, a pessoa (ou
o casal), doido pra ter um filho, diz assim: ‘que pena que ainda não foi dessa vez,
mas eu creio que vou ter um filho’. Na fé, a pessoa diz, 'se eu não puder ter um filho, eu adoto'. Na fé, a pessoa diz 'se não der pra ter um filho nem adotar, eu fico sem filho, tanto sobrinho que eu tenho'. Eu conheço uma 'bá' que nunca teve filhos (e deve haver um montão delas espalhadas por aí), que cuidou dos quatro filhos da casa e dos filhos destes, com toda alegria e zelo, como se fossem seus.
Eu nem acho mais que seja
desinformação porque os veículos de informação são tantos e tão contundentes
que isso não é mais problema. A insistência reside mesmo é na crença, e,
consequentemente, na falsa esperança que essa crença instala nas pessoas,
iludindo-as. Junte-se a isso a negação de um possível sentimento de culpa que
venha a acometer tal mãe, gerado pela superstição religiosa.
Tenho um caso concreto de uma
menina, nora da diarista do domingo na casa da minha mãe. O médico lhe
disse que se ela quisesse ele faria o aborto e que ela estaria respaldada diante da lei. Ele
explicou-lhe tudo, claramente. Fez explanação detalhada sobre TODOS os riscos que ela estaria correndo e a situação do feto pós-parto; que, infelizmente, nem se pode chamar de bebê porque ele
jamais teria uma vida de bebê, já que a única porçãozinha cerebral desenvolvida, apenas sustenta respiração e batimento cardíaco de forma precária e, ainda assim,
por pouquíssimo tempo. Pode nascer morto e pode perdurar esse sofrimento por algumas horas ou por uns meses. No caso dela foram sete meses. E ela, diante de todo drama, dizia o tempo inteiro que acreditava num milagre, mesmo o médico deixando muito
claro acerca de todos os prognósticos e, ela mesma, experimentando diariamente
todo o amargor do que ela já sabia. Foi uma escolha pessoal que lhe cabia?
Claro. Mas aí é que está a questão. É uma escolha. Só não podemos delegar a ‘princípios’
que podem perfeitamente ser revistos e questionados, sob pena de reinarem, se não os misticismos, mas a
radicalização e a intransigência que embaçam o bom senso.
Finalmente, reproduzo aqui mais uma vez o que disse, com muita propriedade, Luís Roberto Barroso, professor titular de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que formulou e apresentou a ação no STF.
"Em primeiro lugar, a interrupção da gestação em caso de feto anencefálico não constitui aborto, mas sim de fato atípico, segundo o jargão jurídico. Nós ainda acrescentamos nesse tópico que não há, no Direito brasileiro, uma definição do momento em que tem início a vida, porém existe uma definição do momento da morte: é quando o cérebro para de funcionar. A lei de transplantes de órgãos considera a morte como a morte cerebral, encefálica. Nós argumentamos que, no caso do feto anencefálico, ele não chega nem a ter um início de vida cerebral, porque o cérebro não se forma”. (Grifos meus -RF)
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