"NÃO EXISTE NENHUM LUGAR DE CULTO FORA DO AMOR AO PRÓXIMO"

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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Como ensinar SOLIDARIEDADE?



“O menino me olhou com olhos suplicantes. 

E, de repente, eu era um menino que olhava com olhos suplicantes...”.

Há coisas que não podem ser ensinadas. Há coisas que estão além das palavras. Os cientistas, os filósofos e os professores são aqueles que se dedicam a ensinar as coisas que podem ser ensinadas. Coisas que são ensinadas são aquelas que podem ser ditas.

Sobre a solidariedade muitas coisas até podem ser ditas...

Por exemplo: eu acho possível desenvolver uma psicologia da solidariedade. Acho também possível desenvolver uma sociologia da solidariedade. E, filosoficamente, uma ética da solidariedade... Mas os saberes científicos e filosóficos da solidariedade não ensinam a solidariedade, da mesma forma como a crítica da música e da pintura não ensina às pessoas a beleza da música e da pintura.

A solidariedade, como a beleza, é inefável – está além das palavras.

Palavras que ensinam são gaiolas para pássaros engaioláveis. Os saberes, todos eles, são pássaros engaiolados. Mas a solidariedade é um pássaro que não pode ser engaiolado. Ela pertence a uma classe de pássaros que só existem em vôo. Engaiolados, esses pássaros morrem.

O que pode ser ensinado são as coisas que moram no mundo de fora: astronomia, física, química, gramática, anatomia, números, letras, palavras. Mas há coisas que não estão do lado de fora. Coisas que moram dentro do corpo. Estão enterradas na carne, como se fossem sementes à espera...

Imagine o corpo como um grande canteiro! Nele se encontram, adormecidas, em estado de latência, as mais variadas sementes – lembre-se da história da Bela Adormecida! Elas poderão acordar, brotar. Mas poderão também não brotar. Tudo depende... As sementes não brotarão se sobre elas houver uma pedra. E também pode acontecer que, depois de brotar, elas sejam arrancadas... De fato, muitas plantas precisam ser arrancadas, antes que cresçam. Nos jardins há pragas: tiriricas, picões...

Uma dessas sementes é a “solidariedade”. A solidariedade não é uma entidade do mundo de fora, ao lado de estrelas, pedras, mercadorias, dinheiro, contratos. Se ela fosse uma entidade do mundo de fora, poderia ser ensinada e produzida. A solidariedade é uma entidade do mundo interior. Solidariedade nem se ensina, nem se ordena, nem se produz. A solidariedade tem de brotar e crescer como uma semente...

Veja o ipê florido! Nasceu de uma semente. Depois de crescer não será necessária nenhuma técnica, nenhum estímulo, nenhum truque para que ele floresça. Angelus Silesius, místico antigo, tem um verso que diz: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce”. O ipê floresce porque floresce. Seu florescer é um simples transbordar natural da sua verdade.

A solidariedade é como um ipê: nasce e floresce. Mas não em decorrência de mandamentos éticos ou religiosos. Não se pode ordenar: “Seja solidário!”. A solidariedade acontece como um simples transbordamento: as fontes transbordam... Da mesma forma como o poema é um transbordamento da alma do poeta e a canção, um transbordamento da alma do compositor...
A solidariedade me faz sentir sentimentos que não são meus, que são de um outro. É um sentimento estranho, que perturba nossos próprios sentimentos

Acontece assim:

Eu vejo uma criança vendendo balas num semáforo. Ela me pede que eu compre um pacotinho de suas balas. Eu e a criança – dois corpos separados e distintos. Mas, ao olhar para ela, estremeço: algo em mim me faz imaginar aquilo que ela está sentindo. E então, por uma magia inexplicável esse sentimento imaginado se aloja junto aos meus próprios sentimentos. Na verdade, desaloja meus sentimentos, pois eu vinha, no meu carro, com sentimentos leves e alegres, e agora esse novo sentimento se coloca no lugar deles. O que sinto não são mais meus sentimentos. Foram-se a leveza e a alegria que me faziam cantar. Agora, são os sentimentos daquele menino que estão dentro de mim. Meu corpo sofre uma transformação: ele não é mais limitado pela pele que o cobre. Expande-se. Ele está agora ligado a um outro corpo que passa a ser parte dele mesmo. Isso não acontece nem por decisão racional, nem por convicção religiosa, nem por mandamento ético. É o jeito natural de ser do meu próprio corpo, movido pela solidariedade. Acho que esse é o sentido do dito de Jesus de que temos de amar o próximo como amamos a nós mesmos. A solidariedade é uma forma visível do amor. Pela magia do sentimento de solidariedade, meu corpo passa a ser morada de outro.

É assim que acontece a bondade.

Adaptado de texto extraído de RECORTES 

3 comentários:

Eder Barbosa de Melo disse...

Não sabia que você conhecia o "Recortes"! Fiquei feliz em ver este texto reproduzido aqui junto com o link do Blog. Que honra! Obrigado.

Regina Farias disse...

Ah, meu amigo...

Tem muita coisa que eu leio, muito blog que visito sem fazer comentário e nem por isso significa que não goste. Como falei lá no blog do João, lembra?

Às vezes o sono foge e lá tô eu fuçando textos rsss

Mas eu não sou muito disciplinada, não. Sou meio "anarquista" no meu modo de viver rss. Tem dias que tô organizada e juro que vou adquirir um certo ritmo, mas logo na semana seguinte eu largo de mão... :)

Mas amo ler coisas legais, edificantes, coisas leves e inteligentes que me fazem rir, como também dramáticas, desde que verdadeiras.

Ah, e valeu pelo gancho, pois eu adoro esse autor e ainda não havia postado nada de sua autoria.

Venha sempre!

Abraço

R.

Eder Barbosa de Melo disse...

Então deixa eu "vender o meu peixe", volte sempre ao Recortes, fique a vontade para compartilhar o que quiser e se quiser seguir será um prazer! Eu também gosto muito do autor, tenho lido alguns titulos intercalados aos de Ricardo Gondim e tem sido edificante. Abração!