CORTE RELIGIOSO |
Há um preço a se pagar por debater de forma desarmada e transparente quando seu oponente está armado. Assim não dá para se exercitar o senso crítico através da arte de pensar. E, principalmente, não dá pra se expor falando de suas angústias, seus anseios e projetos pessoais. Essa dobradinha é fatal! Alguém com a disposição de esgotar determinado assunto que mexe com a vaidade, sempre sofrerá abusos; abuso de má interpretação proposital de um desafeto gratuito só para gerar mal estar e saia justa; abuso de um coração equivocado (maldoso) e sempre predisposto a julgar e condenar; abuso de mentes intolerantes e levianas que rebatem com estupidez, pois afinal, são intolerantes.
Além de tudo isso, se não concordo com arbitrariedades, não sou considerada ‘semelhante’. E mais, além de não ser semelhante, torno-me objeto de estudo, laboratório vivo. Pois, se discordamos de algo, a primeira atitude do oponente é checar nossos escritos (e nossa vida) para ver se caímos em contradição; cheio de si e lutando a ferro e fogo pelo poder denominacional/ lado pessoal, colocando-se como medida e centro da verdade. (De vez em quando a gente se depara com esse tipo de estratégia no meio blogueiro/crental).
Mas também - eu me pergunto - por que não me surpreendo, mesmo não me conformando?! Simples: não me surpreendo porque é bem típico. São as mesmas armas: caluniar, difamar, metralhar queimando o filme da gente e fazendo julgamentos só porque a gente pensa diferente. E por que, então diante do óbvio, eu não me conformo? Por ser triste e lamentável. E o mais deprimente: constatar que há quem dá crédito a esse tipo de atitude. Mas, acima de tudo, não me conformo por não perder a esperança. Não se conformar é 'não viver conforme', 'de acordo com', é almejar mudança.
O autor de Eclesiastes - que experimentou de tudo e mais alguma coisa nesta vida – viu/viveu e sentiu na própria pele o que move o homem a competir com o outro a ponto de querer destruí-lo: a vaidade. Ele viu que todo o esforço do homem, seja de que natureza for, provém da sua inveja contra o seu próximo.
A parte boa é que não há nada que suporte tais abusos do que o amor.
(Não, não falo de amor no sentido falso-piedoso. Não falo do amor piegas, demagogo, religioso, performático. Não falo do amor permissivo que passa a mão na cabeça, pelo contrário, aqui falo do amor que sabe das consequências ao dar o básico puxão de orelha).
Só o amor, colocado à prova em tais momentos, é capaz de enfrentar baixo nível retórico com dignidade. Sem fugir da raia. Sem medo de ser rotulado de agitador ou anarquista. Só o amor perdoa sem deixar cair a peteca. Não há uma desistência, o amor segue em frente com sua voz, sem deixar-se intimidar.
Paulo já dizia aos coríntios sobre o amor ser ‘o dom supremo’. Ele não falou por ser o cara. A estes mesmos, declara-se como ‘o maior dos pecadores’. Ele mostra-se preocupado com aquela disputa acirrada sobre quem era mais sábio, mais espiritual, mais liberal ou mais importante. E, principalmente, sua angústia em relação à disputa por dons... Sem amor! (Claro, disputa e amor não combinam). Então, para que os conceitos sejam revistos e se entenda que o amor é a base para se administrar qualquer dom espiritual, ele incita a mudar perspectivas: coloca o amor no centro de tudo! E o faz, presenteando - nos com um belo poema em forma de prosa a nos dizer que nenhum proveito há nos dons se não forem movidos pelo amor ao próximo.
E não que seja fácil. É simples porque não precisa de nenhuma cartilha religiosa com suas infindáveis listas de pecadinhos e pecadões, do que pode e do que não pode. Afinal, a fé cristã - e não a crença religiosa - prega o arrependimento e não a erradicação do pecado. A fé cristã – e não a crença religiosa - prega que o amor é demonstrado no PERDÃO. E isso nenhuma cartilha legalista é capaz de nos imprimir, posto que vindo da disposição do coração. Trata-se do QUERER ser.
Mas não é fácil porque há um desgaste emocional, uma desconstrução; há de se sair da própria zona de conforto, sair do eu-orgulhoso. Ora, não é fácil assumir essa responsabilidade. Não é fácil perdoar ao ser provocado em cheio na própria vaidade. Não é fácil segurar a onda ao trazer certos assuntos à tona. Afinal, discussões fazem o maior rebuliço, incomodam e incitam a te tirar da água parada (lodo) que te viciou. Por isso, muitos preferem ficar de camarote vendo o circo pegar fogo, enquanto outros (estes, poucos) arriscam no papel de conciliadores. É quando, no cuidado em preservar sua imagem religiosa, o oponente sai à francesa. E, com ares de falsa superioridade, encerra o assunto. E diz, presunçosamente, ao conciliador de plantão, que o assunto está encerrado, por ‘achar’ que o assunto é seu. No fundo, no fundo, ele se vê monologando. Falando de si para si mesmo. Então, se achando juiz, bate o martelo. Sem precisar sair do seu confortável quadrado tão bem elaborado ao longo de sua vida religiosa. Dardos inflamados lançados, ego devidamente satisfeito. O passo seguinte é disfarçar (se fazer de doido), deixar a poeira assentar e colocar tudo debaixo do tapete; e continuar delimitando espaço, usando seus dois pesos e suas duas medidas. De preferência, acompanhado de uma citação bíblica, para manter a pose de fiel seguidor das escrituras. Fechando com chave de ouro, lança uma belíssima frase de efeito bíblica, de modo que as pessoas vejam o exemplo de cristão sábio e equilibrado que jamais se exalta nem se mete em confusão. Esquecendo-se, porém, que o que ele disse, ironicamente também está registrado. E não para que os espectadores da arena o condenem. É ele próprio quem se condena ao verbalizar aquilo de que seu coração está cheio.
E assim caminha a humanidade...
Um comentário:
Aconteceu e acontece comigo.
É praticamente impossível manter uma discussão sobre a bíblia ou sobre tópicos de ensinamentos de determinadas denominações sem que partam para o pessoal, e se sintam ofendidos por não terem argumentos, ou por acharem que estou , como a gente falava quando era criança... "me amostrando". O.o
Chega a dar ânsia. Porém, sei que tenho muito que aprender ainda. Aprender a ser mansa e suave, ter domínio próprio, longanimidade...
E algumas vezes, só algumas, Regina, eu me pego pensando se não sinto falta da ignorância.
Postar um comentário