Quero retomar com vocês um tema que abordei em um dos artigos iniciais, mais precisamente, no segundo artigo. Retomo-o a partir do seguinte trecho:
... quando estamos doentes, vivemos e evoluímos através de uma sucessão de fases que expressam a maneira como estamos nos sentindo; Começamos por uma fase de negação – “não é verdade, isto não está acontecendo comigo”; passamos à fase da raiva – “por que eu, por que comigo?”; iniciamos as barganhas – “se eu sarar, prometo que”; passamos à tão temida, quanto necessária, fase da depressão, a tristeza que se instala a partir do reconhecimento do inevitável.
O que pretendo é relembrar o que normalmente acontece com uma pessoa quando ela adoece, e inesperadamente. Digo inesperadamente porque, reflitam comigo, alguém espera ficar doente? No fundo do coração, lá no fundo, alguém realmente conta com isso? Em sã consciência diz para si mesmo, bem racional, “hoje vou deixar as coisas em ordem, encaminhadas, para o caso de eu ficar doente”, ou, “vou ficar preparado para a possibilidade de que eu possa adoecer”. Acorda e avisa à família no café da manhã: “não se esqueçam de que eu posso ter alguma coisa de uma hora para outra”. Em sã consciência, alguém age assim?
Bem, se age está, seguramente, doente, mas, de outra maneira:- está precisando de psicoterapia.
Sabemos que todo mundo pode adoecer de repente uma vez que a maioria das doenças, principalmente as mais graves, não manda aviso prévio. Qualquer pessoa, por mais que se cuide, que esteja em dia com as revisões médicas anuais, em um simples retorno, ou, após sentir uma dor repentina, pode ser surpreendido com um diagnóstico indesejado, ouvir do médico o que jamais esperaria ouvir. Agora, está longe de ser saudável ficar pensando nesta possibilidade assim como lidar com ela de uma maneira banal tipo “bem, doença faz parte da vida, é normal, tem que estar preparado”. Não é bem assim que funciona.
A doença faz parte da vida? Claro! Da vida do outro, não da própria vida! É assim que funciona. Ninguém pensa que pode acontecer consigo. Por isso, quando uma pessoa adoece, ela passa pelas fases que envolvem negação, raiva, barganha e depressão e é aí, quando chega nesta fase, que a coisa pega porque depressão é uma tristeza e ninguém gosta de lidar com tristeza.
É mais fácil lidar com negação e raiva até porque os familiares e amigos se encontram na mesma situação de não querer encarar o que está acontecendo, ou de sentir que é uma injustiça da vida aquilo estar acontecendo. Os “por quês” têm um eco coletivo e barganhar também, principalmente quando se tem a religião fortemente enraizada. É a hora das promessas, das correntes de oração. Por isso, na fase da depressão é comum o paciente sentir-se sozinho, incompreendido justamente quando ele mais precisa de um colo que o acolha e sustente, que lhe devolva o chão que ele perdeu. Ele vive a tristeza pelo que está passando na pele, se fragiliza e chora porque bate medo, bate insegurança, está assustado, mas ouve que tem que ser forte e não chorar.
O meio ambiente não aguenta não é por ser frio. Pelo contrário; não aguenta porque o sofrimento é geral. A negação toma a frente e todos cobram do paciente que ele reaja. Isso é errado? Não, não é errado o fato de que ninguém quer ver quem ama doente. É humanamente cabível desejar que quem amamos esteja sempre bem. O que acontece é que, de repente, pode não ser assim e, aí, é preciso que tenhamos um pouco mais de conhecimento quanto ao que se passa com quem adoeceu. Afinal, é ele o paciente. Os familiares e amigos de uma certa forma adoecem juntos, mas, não são o paciente. São coadjuvantes. Quem está doente é que precisa ser cuidado e priorizado em seus direitos de sentir isso ou aquilo.
Deprimir é um direito porque ficar triste por estar doente é um direito. Cristalizar a fase da negação ligando o automático “superar, vencer, sair dessa” não é recomendável. Tem a hora certa para isso e, seguramente, não é nos primeiros tempos.
O paciente precisa viver seu processo depressivo e depois, então, entrar na fase de aceitação a partir da qual ganhará fôlego para lidar com a doença.
Conforme eu escrevi no segundo artigo: Mesmo sendo a fase mais difícil, mais pesada, a depressão é necessária porque, se ela for bem tolerada e assumida por nós e pelos que nos circundam, conseguiremos chegar à tão almejada fase de aceitação. Tão almejada, pois é a partir dela que nós conseguiremos retomar as rédeas de nossa vida, esteja ela do jeito que estiver.
Agora, o tempo para isso deve ser o do paciente, só dele, por mais difícil que seja acompanhá-lo em sua jornada de reestruturação. Até que suas condições para a luta se restabeleçam, nós, do lado de fora, sem negar, podemos, sim, alimentar a esperança de que tudo acabe bem.
A todos vocês, pessoas conhecidas e que não conheço, que se encontram neste momento com alguma doença, fiquem com o meu carinho e, sem nenhuma negação, com minha torcida para que tudo passe.
Vivam seus medos, seus sustos, suas decepções com todo o direito que vocês têm a isso mas acreditem que, após a tempestade, vem a bonança.
Dias melhores hão de aguardar vocês no horizonte de suas caixinhas de surpresa.
A tempestade da noite passada coroou com uma paz dourada esta manhã. (Tagore).
Até a próxima
Gláucia Telles Sales <---extraído DAQUI
2 comentários:
Muito bom, gosto dessas coisas q vc garimpa e traz aqui pra gente!bjim.
Elídia,
Não é troca de confetes, mas tb curto muito o que tu escreves/postas, ainda que não comente sempre! bjim.
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