De tudo que li por esses dias sobre o comportamento da mulher, o que me atraiu foi o mesmo questionamento sobre o sorriso cada vez menos estampado nos rostos femininos. Mas como sorrir com uma sobrecarga nas costas? É certo que a trajetória feminina das últimas décadas foi marcada por grandes conquistas, o que não significa exatamente que tenha feito a mulher mais feliz. E isso não é achismo pessoal mas uma constatação do que vivi, ouvi, vi e li acerca de uma irônica e proporcional tristeza em bagagem cada vez mais abarrotada de conquistas. Tristeza causadora/propulsora de quase uma melancolia que é bem mais triste que a própria tristeza, pois tristeza se sabe de onde vem e na melancolia você não consegue localizar o que perdeu.
O certo é que nem a mulher da atualidade ficou mais feliz e nem é verdade que toda garota de 35 anos atrás se projetava no casamento como o maior negócio da sua vida. Quero dizer: há um quê de frustração na "aventura abolicionista de saias" assim como há o famoso golpe do casamento. Em todas as épocas. O que vejo é uma conquista inglória de uma mulher que acumulou mais funções indo à luta por um lugar ao sol no mercado de trabalho para se auto-afirmar, para competir, para ajudar na renda familiar. E hoje, com todos esses anseios realizados ao longo das décadas, conquistados na vida familiar, cultural e social, ela continua ansiosa, angustiada e triste, em desgaste que beira a tortura; enquanto experimenta todos os frutos dessa conquista onde o rigoroso paladar teima em reconhecer/destacar os frutos amargos, vez que toda escolha traz suas consequências; e estes fazem qualquer riso virar careta. Principalmente os produzidos no âmbito pessoal pois é nele que você põe em xeque os seus princípios, seus sentimentos e suas emoções deixando-se fascinar pelos falsos valores que o mundo lá fora aponta fazendo parecer que a vida doméstica e familiar é mero complemento.
Para mim, a grande questão não é a aquisição de coisas e/ou status e sim a justificativa, os motivos, as prioridades. E o que eu percebo é que não tem absolutamente nada a ver com mulher dessa ou daquela geração e sim com valores pessoais colocados numa estranha balança. E no descaso para o clássico e sábio "cada coisa a seu tempo", há uma perigosa e velada inversão de valores onde não trabalhar fora por não ter com quem deixar os filhos e viver conforme as parcas rendas do cônjuge é algo visto de cara feia. Esse equívoco foi um dos grandes desastres que trouxe sérias consequências à família disfuncional que impera nos dias atuais, na qual a busca de conquistas retardatárias enfiando planos originais na gaveta, comprometeram seriamente o casamento, a vida familiar e a maternidade. Se bem que não podemos generalizar vez que tem mulher “comum” que larga tudo pela suposta realização pessoal e tem mulher famosa que larga a vida de celebridade para cuidar da maternidade, por exemplo.
E também não tenho certas conquistas femininas como algo novo nem tampouco ligado à vida urbana, pois afinal lá no interiorzão do sertão veem-se famílias que há décadas dividem tarefas dando um banho de lição no que diz respeito a equilíbrio e harmonia onde a mulher é verdadeira PhD em localizar/reconhecer com naturalidade o espaço social que ela ocupa sem que para isso fosse necessário um brado aos quatro cantos do mundo empunhando o sutiã como bandeira. Enquanto isso a mulher da cidade conquista o mercado de trabalho e vai ao chope gelado, ao botox e às compras para despistar a depressão que insiste em se instalar devido a uma irônica perda de liberdade; essa mesma mulher moderna que dá boas risadas lá fora, mas quando entra em casa e se olha no espelho estranha a própria imagem de mulher mais bonita, mais independente e bem-sucedida. Aliás, é por essas e outras que esse termo "bem-sucedida" é questionável.
E é claro que a tristeza faz parte do processo natural da existência. Ela tem sua função, assim como só alegria é perigoso/duvidoso. A variedade de emoções é que é o verdadeiro fiel da balança capaz de estabelecer o equilíbrio e para mim o segredo é a mulher usar sempre o bom senso em suas escolhas, vivendo desencanada e LIVRE dessa ânsia desenfreada em comprar, obter e ser o que o mundo competitivo e vaidoso oferece, impõe e exige. Usar o bom senso é a palavra de ordem; sem representar, sem encenar, consumindo, sim, mas de forma leve, necessária, solidária, na medida, sem excessos, cultivando as coisas como um presente, como dádiva. Não existe tratamento antidepressivo mais eficaz. É quando a melancolia impressa na alma e estampada na face... Simplesmente desaparece! E então podemos olhar pra dentro de nossas almas e enfim dar boas risadas. Risadas de quem conquistou a verdadeira liberdade despida de qualquer amarra. Risadas de bem-estar. Risadas de contentamento.
RF.
6 comentários:
REgina, você soube equilibrar muito bem essa difícil questão moderna que diz respeito às mulheres e por tabela, a nós também!
"O que vejo é uma conquista inglória...", olha, vindo de uma mulher, essa frase permite muitas discussões.
Não creio que a conquista das mulheres na sociedade foi "inglória", mas é certo que não foi aquela maravilha que as feministas dos anos 60 esperavam.
Bom senso. É isso aí.
Eduardo
Eu digo "inglória" em relação a essa competição "mano a mano" com o macho para se auto-afirmar e até desbancá-lo, e que deixou e vem deixando algumas sequelas. E é claro que eu não questiono a infinita capacidade da mulher, o meu questionamento é em cima da corrida desenfreada passando por cima de algo mais valioso, entende?
E isso é fato, as estatísticas mostram não apenas essa ânsia mal aplicada como as frustrações que elas trouxeram, não é afirmativa minha, embora no meio em que circulo eu possa enxergar isso claramente.
Abs...
Regininha...
Um dos melhores textos que li nos últimos dias. Caraca, matou a pau!
Nada a acrescentar, concordo com tudo o que você disse.
Ao ler (não aguento, sempre acrescento né?) lembrei-me de um caso ilustrativo utilizado pelo Ricardo Gondim em uma mensagem, falando sobre esta busca desenfreada pela conquista.
Ha muitos anos atrás estava tendo uma competição entre barcos a vapor no Rio Mississipi. Todos estavam dando o máximo de si para conquistar a vitória, mas um competidor em especial fazia de tudo para ganhar a corrida.
Seus funcionários/escravos alimentavam a fornalha do barco com o carvão, que era jogado em grandes quantidades, até que veio a notícia: 'senhor, acabou o carvão!'
Furioso, ele ordenou que toda a mobília do barco fosse jogada na fornalha, até que esta também acabasse.
Começou então a arrancar toda madeira do barco que julgava ser desnecessáría para alimentar a fornalha do navio, que - finalmente - cruzou a linha de chegada em primeiro.
Consequência: Ganhou a corrida, mas não sobrou praticamente nada do barco.
Muitas pessoas estão se destruindo da mesma forma, em prol de uma "vitória" questionável, os aplausos da sociedade por terem sido bem sucedidos. Famílias, relacionamentos, saúde...
Realmente não vale a pena.
Sugiro a leitura do livro "Celebração da Simplicidade" de Richard Foster, creio que seja da Editora Vida...
Beijos!
JC
J.C.
Fico feliz quando alguém saca a msg dos meus textos, seja em comentários aqui, por e-mail ou pessoalmente. Gosto dessa sintonia...
E não que o Edu não tenha feito isso,(amo os comentários inteligentes dele, por sinal) mas é que eu reconheço que quando ele leu estava meio confuso mesmo, pois eu tenho essa péssima mania de ser prolixa, rodear demais... Daí eu dei uma enxugada no mesmo e mudei alguns vocábulos rss Inclusive até tinha um link pra aquele teu texto sobre a mulher, que aliás foi o que me impulsionou a escrever esse. Mas aí "rodeava" demais e tirei, foi mauzzz :)
Ah,e não digo essas coisas porque eu tenha meus escritos como verdade absoluta e não aceite discussões e críticas, seria pretensão demais... E pelo contrário, sinto enoooorme falta de crítica, pois vivi uma vida inteirinha em meio a bajulações em cidades provincianas e também por conta de posição sócio-econômica tendo que lidar com isso sem me envaidecer.
Tem um ditado - e nem me pergunte o autor, mas que é um dos meus preferidos, se não o mais, que diz: prefiro os que me criticam pois me corrigem, aos que me bajulam porque me corrompem. Ou é Tomás de Aquino ou Agostinho :)
Gostei da reflexão, vou colocar como texto.
Quanto à sugestão do livro eu agradeço mas fico intrigada quanto ao título. Você tem certeza que não fui euzinha que escrevi?! Brincadeirinha rsss é que coisas descomplicadas têm tudo a ver comigo :)
Beijão
R.
Ok REgina, entendi sim. Mas a sociedade não é extática, ela sempre se move e se reinventa.
Posso concordar com o teor do termo "inglória" mas não dá prá fazer omeletes sem quebrar ovos.
A mulher saiu da cozinha e ganhou o mercado de trabalho e isso é irreversível. Por enquanto, a mulher, que ainda carrega no "DNA" o cuidado do lar, dos filhos e do marido, sobrecarrega-se demais.
A mulher continua trabalhando quando chega em casa e o marido, ainda acha que ele quando chega em casa tem que relaxar diante da TV e deixar os problemas domésticos para a mulher.
Talvez o grande nó para que essa coisa deixe um pouco de ser "inglória" é o homem começar a mudar a cabeça. De cima.
Regina,
Você é como eu: Já leu tanta (TAAAANNTTAAAAA) coisa que não lembra mais se realmente leu ou se aquele assunto específico - que já faz parte do seu "eu intelectual" - é da autoria de alguém ou sua.
Acho isso um barato em leitura. Acho até que vou escrever sobre isso!
Este livro é maravilhoso. Tenho certeza que irá gostar. Mas tome cuidado: Vai dar vontade de "vender tudo e dar aos pobres...", vai pegar nojo do "possuir" o desnecessário.
Ou seja: É um livro indispensável, mas altamente subversivo, dinâmico e controverso... (adorie isso!)
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