É um homem alto, de boa aparência e aspecto amistoso e venerável; a cor do cabelo não tem comparação, de cachos graciosos [...] repartidos no alto da cabeça, caindo para frente em cascata, à moda dos nazireus; tem a testa alta, grande e impressionante; as faces não têm mancha nem ruga, belas e coradas; o nariz e a boca são talhados com primorosa simetria; a barba, de cor igual a do cabelo, abaixo do queixo e repartida no meio como um garfo; os olhos, de um azul luminoso, claros e serenos...
Reconheço esse Jesus nas pinturas a óleo penduradas nas paredes de concreto da igreja de minha infância. Contudo, quem o forjou traiu-se na próxima frase: “Ninguém o viu sorrir”. Será que ele leu os mesmos evangelhos que eu leio, documentos que não dizem nenhuma palavra acerca da aparência física de Jesus, mas o descrevem realizando o seu primeiro milagre em um casamento, dando apelidos divertidos a seus discípulos e não sei como adquirindo a reputação de “comilão e bebedor de vinho”? Quando pessoas piedosas criticaram seus discípulos, Jesus respondeu: “Podem os convidados para o casamento jejuar enquanto está com eles o noivo?”. De todas as imagens que poderia ter escolhido para si, Jesus optou pela do noivo, cuja alegria contamina a todos os convidados do casamento.
Uma vez mostrei a uma classe algumas dezenas de slides artísticos com o retrato de Jesus numa variedade de formas — africanas, coreanas, chinesas — e depois pedi à classe que descrevesse qual achavam ser a aparência de Jesus. Quase todos acreditavam que fosse alto (improvável para um judeu do século I), muitos disseram simpático e ninguém disse com excesso de peso. Mostrei um filme da BBC sobre a vida de Cristo que apresentava um ator rechonchudo no papel-título, e alguns da classe acharam aquilo ofensivo. Preferimos um Jesus alto, simpático e, acima de tudo, esguio.
Uma tradição que data do século II acreditava que Jesus fosse corcunda. Na Idade Média, era difundida a crença entre os cristãos de que Jesus sofrera de lepra. Muitos cristãos atualmente achariam tais idéias repulsivas e talvez heréticas. Ele não foi um espécime perfeito da humanidade? Mas em toda a Bíblia encontro apenas uma descrição física de Jesus, onde a aparência exterior dele é caracterizada como destituída de qualquer beleza, uma profecia escrita centenas de anos antes do nascimento de Cristo. Eis o retrato de Isaías, no meio de uma passagem que o Novo Testamento aplica à vida de Jesus:
Exatamente como muitos pasmaram à vista dele — o seu parecer estava tão desfigurado, mais do que o de outro qualquer, e a sua aparência mais do que a dos outros filhos dos homens [...] Não tinha parecer nem formosura; e, olhando nós para ele, nenhuma beleza víamos, para que o desejássemos. Era desprezado, e o mais indigno entre os homens, homem de dores, e experimentado no sofrimento. Como um de quem os homens escondiam o rosto, era desprezado, e não fizemos dele caso algum.
Por causa do silêncio dos evangelhos, não podemos responder com certeza à pergunta sobre qual era a aparência de Jesus. Creio que isso é muito bom. Nossas representações glamourizadas de Jesus falam mais a nosso respeito do que a respeito dele. Ele não tinha nenhum brilho sobrenatural ao redor de si: João Batista admitiu que nunca o teria reconhecido não fosse uma revelação especial. De acordo com Isaías, não podemos apon¬tar para a sua beleza ou majestade ou qualquer outra coisa em sua aparência que explique seu poder de atração. O segredo se encontra em outro lugar.
(...)
Em contrapartida, os evangelhos apresentam um homem com tal carisma, que o povo ficava sentado por três dias sem intervalo, sem comer, apenas para ouvir suas palavras instigantes. Ele parece emocionado, impulsivamente “movido pela compaixão” ou “cheio de piedade”. Os evangelhos revelam uma cadeia das reações emotivas de Jesus: súbita simpatia por uma pessoa leprosa, exuberância devido ao sucesso de seus discípulos, um rasgo de raiva diante dos legalistas frios, tristeza por causa de uma cidade não receptiva e depois aqueles gritos horríveis de angústia no Getsêmani e na cruz. Tinha uma paciência quase inexaurível com os indivíduos, mas não tinha paciência nenhuma com as instituições e com a injustiça.
(Extraído de “O Jesus que eu nunca conheci” – Philip Yancey).
2 comentários:
Jesus era um homem do povo, comum, quem quer vê-lo olhe para aquele homem trabalhador que trabalha de sol à sol, e vc vai vê-lo ...
Jesus era um judeu típico do seu tempo ... e Jesus com certeza era um cara muito gente boa, que nunca ofendia ninguém e sempre trazia paz e alegria.
Essa coisa de não-sorrir é coisa de velhacos que vivem enfiados em igrejas radicais ignorantes, cheia de doutrinas estapafúrdias de santidade.
Bom texto!!!
Regina, lembro sim. Essa é a passagem logo do início do livro.
Você acredita que eu fiz isso que ele fez. Depois de ler essa parte, eu corri e reuni todos os filmes sobre Jesus que havia.
Foi uma experiência muito impactante! Esse encontro com o Jesus dos outros. E poder compará-los também. Pois é inevitável que nos identificamos mais com umas e menos com outras características, que já interessarão mais a alguém. Sempre foi assim, que o diga Mateus, Marcos, Lucas e João. Cada um com "seu" Jesus, mas é o mesmo e único Jesus.
Este é um livro que me marcou. Vou ler o próximo link agora. Até daqui a pouco.
Abraços sempre afetuosos.
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