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quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O VOTO DO NORDESTE: para além do preconceito

Tânia Bacelar


A ampla vantagem da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno no Nordeste reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais pobres da sociedade brasileira e em especial face ao voto dos nordestinos. Como se a população mais pobre não fosse capaz de compreender a vida política e nela atuar em favor de seus interesses e em defesa de seus direitos. Não “soubesse” votar.

Desta vez, a correlação com os programas de proteção social, em especial o “Bolsa Família” serviu de lastro para essas análises parciais e eivadas de preconceito. E como a maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas periferias das grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas pelo “Bolsa Família”), os “grotões”- como nos tratam tais analistas – teriam avermelhado. Mas os beneficiários destes Programas no Nordeste não são suficientemente numerosos para responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno : mais de 2/3 dos votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total ( contra 20% dados a Serra).

A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou nesta região nos anos recentes e que explica a tendência do voto para Governadores, parlamentares e candidatos a Presidente no Nordeste.

A marca importante do Governo Lula foi a retomada gradual de políticas nacionais, valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado nos anos 90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do Brasil. E isso é bom para o Nordeste.

Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela “inserção competitiva” do Brasil na globalização - que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e dinâmicas e que marcou os dois governos do PSDB -, os Governos de Lula optaram pela integração nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa, o que favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto apenas por alguns “clusters” (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio graneleiro...) enquanto nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizou, fazendo a região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais.

Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas sociais, política de reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do crédito, teve impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou - junto com o Norte - as vendas no comercio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines, indústrias alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao mesmo tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção.

Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica econômica regional como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e mais duas previstas) e em patrocinar - via suas compras - a retomada da indústria naval brasileira, o que levou o Nordeste a captar vários estaleiros.

Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infra-estrutura – foco principal do PAC – que beneficiou o Nordeste com recursos que somados tem peso no total dos investimentos previstos superior a participação do Nordeste na economia nacional. No seu rastro,a construção civil “bombou” na região.

A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de ensino profissional também atingiu favoravelmente o Nordeste, em especial cidades médias de seu interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que trouxe para Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais – antes fortemente concentrados no Sudeste - dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos (na UFPE) e o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a liderança do cientista brasileiro Miguel Nicolelis que organizará uma verdadeira “cidade da ciência” num dos municípios mais pobres do RN (Macaíba).

Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era inviável. O PRONAF mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010 e outros programas e instrumentos de política foram criados (seguro – safra, Programa de Compra de Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros) e o recente Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera 3 em cada 4 empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola nacional. E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da população economicamente ativa do setor agrícola brasileiro.

Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país com 5,9% de crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior a de 5,4% registrada para o Brasil como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS.

Daí a ampla aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão - como antes - da desinformação, ou da ignorância. É o voto da auto- confiança recuperada, do reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da esperança na consolidação de avanços alcançados – alguns ainda insipientes e outros insuficientes. É o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, “Bolsa Família”), mas uma região plena de potencialidades.
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Tânia Bacelar de Araújo é graduada em Ciências Sociais pela UFPE e em Ciências Econômicas pela UNICAMP. É Especialista em Planejamento Global pela CEPAL e possui Doutorado em Economia pela Universidade de Paris I – Panthéon-Sorbonne.

Atua como professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) no Departamento de Ciências Geográficas (Programa de Pós-Graduação em Geografia) desde 1989, e é Sócia Diretora da CEPLAN – Consultoria Econômica e Planejamento desde 1995.

Foi Consultora do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA, para apoio aos Planos de Desenvolvimento Sustentável dos Estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte (1995 a 1999); Diretora Nacional de Projeto do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)"Estratégia para apoio ao desenvolvimento de pequenas e médias empresas no Nordeste do Brasil"(1997) e Consultora do PNUD – IPEA para assessorar o PARARNACIDADE e as ASSOCIAÇÕES de PREFEITOS ( AMUSEP e AMOP) na elaboração de Planos Regionais de Desenvolvimento (1998).

Exerceu os seguintes cargos públicos:

• Economista da SUDENE (20 anos) tendo sido Diretora de Planejamento Global (1985/86)

• Secretária de Planejamento de Pernambuco – 1987/88

• Secretária da Fazenda de Pernambuco – 1988/1990

• Diretora do Departamento de Economia da FUNDAJ – 1990 /1995

• Secretária de Planejamento,Urbanismo e Meio Ambiente do Recife – 2001/2002

• Secretária Nacional de Políticas Regionais pelo Ministério da Integração Nacional – 2003

• Coordenadora do Grupo de Trabalho de Recriação da SUDENE e da SUDAM – 2003



(Recebi hoje por e-mail- RF)


2 comentários:

João Carlos disse...

Regina,

Minha posição frente a este assunto tão importante nada tem a ver com PREconceito, pode ter certeza.

Minha família é toda nordestina, bem como a família de minha mulher.

SEI que não são todos os que votam por esta motivação, mas muitos o fazem.

Eu conheço muita gente (CONHEÇO MUITA GENTE, NÃO OUVI DIZER) que fala que trabalha seis meses com registro, "apronta alguma" coisa simples para ser mandado embora e passa o restante do tempo sendo sustentado pelo seguro desemprego, até que acaba o dinheiro e ele (ou ela) volta a procurar outro trabalho.

Apesar do benefício acima citado não ser o mesmo que postei em meu blog (bolsa família), a postura é a mesma.

Desculpe se você interpretou (ou interpreta) minha postura como preconceituosa. Saiba, mais uma vez, que não é.

Regina Farias disse...

Jota,

Você tem razao, muitos o fazem, MAS não são apenas os nordestinos.

Percebe então o lado tendencioso do texto em questão?

E não precisa "pedir desculpa" por expor sua postura, pois amizade não exclui divergência.

Só apelo para uma consciência geral e não só a sua, afinal quando se escreve algo assim em blogs, se está mexendo com a opinião das pessoas.

No MESMO amor em Cristo,

R.