"NÃO EXISTE NENHUM LUGAR DE CULTO FORA DO AMOR AO PRÓXIMO"

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sábado, 7 de janeiro de 2012

O PÃO DA VIDA



Se por um lado demorou quase meio século para eu provar desse pão e ver como ele é bom (como diria o salmista - 34.8), de outro lado eu sempre recusei esse tal evangelho pesado e cheio de normas que batia à minha porta todos os dias - e todas as noites - simplesmente porque nele eu não conseguia mastigar absolutamente nada de BOM para uma vida prática e saudável. E esse era o questionamento mudo e gritante de um peito apertado, angustiado e sofrido que se recusava terminantemente a aceitar aquele kit religioso que deixava as pessoas mais tristes, mais recalcadas, mais reprimidas e, por causa disso tudo - e em consequência disso tudo - mais mascaradas, exibindo uma falsa alegria. E não por maldade ou presunção, mas pela opressão gradativa que obriga a pessoa a vestir uma sufocante exterioridade religiosa.

Partindo de um polo ao outro, eu vivi a vida inteirinha em meio a verdadeiros laboratórios e oficinas religiosas produtoras de mentes tristes - e consequentes vidas tristes e adoecidas. Praticamente criada dentro de convento, estudando desde garotinha em colégio de freiras, familiarizada com padre, bispo e freira, circulava com frequência e toda intimidade nesse meio, como uma menina católica bem nos moldes daquela época, ou seja, uma mera participante de cerimônias a um deus frio e distante. Aos 21, já casada, passei a assistir familiares migrando do cerimonialismo para um pentecostalismo que aos meus olhos era um verdadeiro ocultismo, considerando que, quanto menos eu entendia mais me inquietava a alma. Pois, nesse processo ia sendo influenciada por aquele pacote de normas que foi se infiltrando insistentemente em meu ser para me ganhar.

Então, por não aceitar aquele bem que minava minhas energias, me surpreendi com a minha cuca fundida em meados dos anos oitenta e aí foi se desenvolvendo em minha alma sedenta e confusa um inferno particular em forma de síndrome que à época ninguém nem sabia o significado e que hoje os especialistas da área chamam de ‘Transtorno do Pânico’. Refletindo no corpo em somatizações as mais sinistras e variadas, esse transtorno ousava provocar em mim um lúcido e constante questionamento: como aquelas pessoas que tanto amo (e ditas saudáveis) têm a estranha necessidade de 'caminhar para a igreja’ quase diariamente para ouvir o que Deus tem a dizer. Era um tal de Deus disse isso, Deus disse aquilo enquanto as pessoas seguiam cada vez mais cativas no existir, no ser, no viver e no conviver. Embora silenciosa (e acuada) a vontade era de perguntar que Deus era aquele aprisionado naquele espaço e por que as pessoas saíam de lá tristes e cabisbaixas. Isso era o que mexia comigo! Porém, nesse âmbito havia algo que, ao mesmo tempo em que me incomodava, impedia de me pronunciar mesmo sendo uma pessoa que aborda qualquer tipo de assunto com toda naturalidade. Tinha fama de surpreender (e até escandalizar) com minha maneira espontânea de tratar qualquer assunto, conhecida na família e entre os mais íntimos por quebrar paradigmas, de me abrir, questionar, derrubar tabus e mitos. No entanto, nessa área, não me davam abertura para extravasar minha aflição.

O intrigante é que eu era bem vinda 'socialmente' e minha irreverência perfeitamente aceita nos momentos de descontração. Podia contar minhas piadas ácidas e pesadas, falar palavrão, trocar ideias, conversar e até aconselhar, MAS nesse chão espiritual - sisudo e formal - eu não podia pisar, não podia fazer perguntas e muito menos discordar. Era (e é!) até proibido pensar, só que ninguém dizia isso abertamente. Simplesmente estava implícito em tudo que dizia respeito a essa particularidade. Inquietava-me a alma por não ver diferença de outros ocultismos por aí, algo muito parecido com consultas do além por meio da bíblia. Um verdadeiro baixar espírito onde o Espírito Santo estaria supostamente falando pela boca do ungido. E interessante também, era o paralelo que minha alma aturdida traçava entre aquelas duas linhas de pensamento religioso: enquanto a igreja da minha infância me assustava com todas aquelas imagens me examinando com olhares e expressão sem vida e terrivelmente acusadores, a igreja da minha vida adulta me assombrava com seu ambiente carregado do sobrenatural que imprime o forte caráter emocional da religiosidade.
E eu dizia pra mim mesma que havia algo de muito estranho naquilo tudo, pois se eles têm certeza ABSOLUTA (perdão pela redundância) de que é o Espírito Santo de Deus que está falando, então por que tem que ser sempre por meio de sentenças e nunca é uma palavra de vida leve, feliz e saudável? Esse era sempre o meu questionamento mudo e perturbador: o íntimo angustiado das pessoas; posto que enxergam - e nos apresentam - um Deus na versão mais sombria possível.

Nada mudou nesses dois sistemas citados, mas hoje, embora continue triste, tenho aprendido que não é preciso um caderno de normas (nem tampouco estudar teologia) pra entender que uma das maiores heresias pregadas é a que oprime, que achata, que entristece. E não falo de tristeza temporal, pois isso é inevitável em um mundo caído. Tristezas, decepções, desilusões, tudo isso faz parte do nosso dia-a-dia. Falo da certeza reprimida de quem carrega tanto peso na ilusão de estar provando o maná dos céus. E falo com propriedade, pois vivi numa espécie de limbo onde, de um lado eu rejeitava aquele modelo no qual nasci, e de outro, o persistente convite da denominação religiosa que me apontava um Deus brigão, turrão e vingativo. E tão sisudo, que dizia que se eu não fosse pra lá não haveria céu pra mim, e que de qualquer jeito eu ia pra lá, na dor ou no amor. No amor ou na dor, jargão largamente usado por lá... E confesso que - naquele inferno em vida - não sei se eu tinha mais pavor da iminência contida na ameaça ou se tinha raiva daquela manipulação travestida de evangelismo. Então, eu vivia nesse limbo às avessas. Mas não em paz, claro.  Afinal ainda estava seca e árida, embora ávida e sedenta. Em busca, mesmo não sabendo.

O tempo foi passando e eu me sentia, ora aliviada, por não ceder a nenhum daqueles apelos sufocantes, ora entristecida, já que depois de algum tempo passado eu ansiava (silenciosamente) por conhecer aquele Jesus dos meus filhos adolescentes; um Jesus em nova roupagem, completamente diferente do que eu vi nas pessoas a vida inteirinha; talvez como uma espécie de fiel da balança onde um raio de lucidez é colocado no meio de um furacão dentro do meu lar desfeito; como providência de um Deus misericordioso que usava meus filhos como bênção, de modo que a minha esperança não se firmasse em nada moldado externamente, e sim, em vivência de fé e amor.

E como já falei em outras ocasiões, a resistência era grande em face do terrorismo que eu havia assistido durante muito tempo, vendo essa coisa de irmão, crente, evangélico, protestante, tudo isso ser sinônimo de desajuste. E não exatamente por causa do sentido pejorativo largamente colocado no meio em que eu vivia, mas principalmente pela existência, vivência, experiência e (IN)coerência cotidiana que meu bom senso assistia de camarote. Por causa disso, mesmo assistindo os benefícios práticos da conversão de meus dois filhos ainda adolescentes, tinha medo de correr o risco e passar pelo corredor da morte e por julgamentos terríveis em meio a um emaranhado de acusações.

Enfim, um dia fui liberta e saí daquilo que era mais do que um limbo: uma espécie de ‘em cima do muro’ nada morno. Era fervendo mesmo. (Seria o inferno?!) Fervendo de uma ânsia que eu temia pender ora para o antigo lado do cerimonialismo ao deus ausente, ora para aquela estranha evocação de espírito. E saí. Não pelas minhas próprias forças, mas amparada pela Mão que - longe de ser pesada - é desconcertantemente acolhedora e mansa! É maravilhoso sair de cima de um muro do qual se avistava um turbilhão de tufões e terremotos, ventanias e furacões, para ENFIM conhecer o Jesus que se aproxima de mansinho, sem estardalhaço, sem oba-oba. Em um CICIO TRANQUILO E SUAVE que enche seu ser de paz e segurança. Para andar em meio a toda essa diversidade chamada de mundo caído, mas que repleta de pessoas que necessitam de nosso amor e de nossa compaixão como tempero para a esperança.

E como Jesus é perfeito em sua obra, o mais maravilhoso foi conhecê-LO fora dos muros da religião. E mesmo tendo me filiado à IECB à época, no afã da conversão, e frequentando eventualmente os chamados cultos coletivos (respeitando e até admirando alguns representantes eclesiásticos), jamais me permiti sujeitar-me a moldes institucionais. Pelo contrário, estou liberta pelo que Cristo consumou na Cruz; liberta de todas essas neuroses igrejistas que fascinam a princípio e que, no final, tornam as mentes cativas.

Não estou aqui defendendo uma verdade pessoal. Até porque, não existem muitas verdades, meias verdades, suas verdades ou minhas verdades. Pilatos ‘viajou’ feio, pois estava diante da Verdade e perguntava-LHE que é a verdade. (Jo 18.38) Pense nisso!

‘Sem a Rocha da Realidade que é a Palavra Revelada, todos nós, de um modo ou de outro, vivemos em viagens’. (Caio Fábio)

4 comentários:

Gilberto Ângelo Begiato disse...

gostei do seu testemunho e od que vi por aqui. tentei seguir este blog mas não consegui. Sou meio devagar mesmo nesse meio. De qualquer forma muito obrigado por me visitar no blog.

Regina Farias disse...

Gilberto,

Realmente, fica difícil porque já faz um tempinho retirei o 'gadget' correspondente a 'seguidores'. E, cá pra nós rss fiz isso em forma de crítica a alguns blogueiros vaidosos e tolinhos que ficavam fascinados com o aumento do número de seguidores em seus blogs.

Mas tudo bem, já me alegram sua visita e seus comentários.

Também dei a minha passadinha lá e gostei.

Volte mais vezes :)

R.

HP disse...

Regina,

Que testemunho lindo. Fico contente em saber o que Deus fez na tua vida, como te libertou dos furacões e terremotos.

Achei muito boa a anologia que você fez da segunda igreja com o ocultismo através da Bíblia. Parando para analisar, a diferença tem hora que é apenas a roupa usada. Essa atitude ocorrida dentro da "segunda igreja" me corrói por dentro. A maioria vai atrás de respostas e não para Louvar a Deus, agradecê-lo, e aprender "Daquele que é manso e humilde".

Isso me corrói. E você sabe como.

Abraço sister.

Regina Farias disse...

HP,

Você não tem noção da importância que tem para mim, que uma pessoa da sua lucidez e de 'lá de dentro' entenda essa minha posição.

Mais uma constatação de que não estou 'viajando' :)

Estava lendo agora há pouco mais um desses textos que circulam na internet em que exaltam a igreja em clara defesa, rotulando de forma simplista como 'de mal com a vida' aquele que não se rende a certas definições tendenciosas de 'corpo de Cristo'.

http://ministeriobbereia.blogspot.com.br/2013/03/igreja-um-caso-de-amor.html

E essa nunca foi a questão, pelo menos para mim. A grande questão é 'a igreja' (instituicional e doutrinária) nos aprisionar a mente com suas normas.

Já falei aqui que participei de ministérios programados e me entristeceu o que vi. Isso jamais abalou meu 'caso de amor' com a igreja.

Abs,

R.