"NÃO EXISTE NENHUM LUGAR DE CULTO FORA DO AMOR AO PRÓXIMO"

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quarta-feira, 30 de março de 2011

A espiadinha sob outro ângulo.




Espiar a vida dos outros é algo que, de modo geral, sempre mexeu com a curiosidade das pessoas. Quem não já deu um sorrisinho velado quando um porteiro conta uma novidade jocosa acerca de um morador problemático? Sim, porque porteiro de edifício residencial sabe tudo e mais alguma coisa da vida dos moradores. E não só dos moradores. Sabe também da vida de amigos, familiares, quem entra, quem sai, gato, cachorro, periquito e papagaio. Ou seja: o porteiro pobre sabe e o rico morador chique também sabe do mesmíssimo tititi. (Embora quem leve a fama de curioso e fofoqueiro seja sempre o primeiro pelo que deixa escapar, enquanto o segundo, muito esperto, `mantém a linha´).

Há quem diga que, em cidades maiores e mais movimentadas, esse lance de curiosidade pela vida alheia não existe, porque o povo já vive super mega hiper atarefado com outras pendengas. Pura lenda. Quem mora nos grandes centros - e é honesto consigo mesmo – pode até afirmar isso pelo hábito, mas fala isso sem muita convicção quando olha para seu prédio, para o clube que frequenta, a igreja da sua comunidade, vixeeeee! Sua faculdade, seu ambiente de trabalho, sua coleguinha ao lado, seu chefe, a mulher do seu chefe, a filha do seu chefe, huuuuummm... E quando olha para o computador/câmara/celular e suas inúmeras possibilidades sem ninguém para lhe tolher? Então, furtivamente como quem rouba, olha pra dentro de si mesmo e não vê coisa muito bonita. E, discretamente, olha para fora e logo se desfaz das pedras à mão, ao cair em si e reconhecer que sabe e divulga algo picante a respeito de alguém. Sabe, interpreta, pré-julga, se precipita... E pior: transmite.

Se a notícia for de gente famosa, então, nem se fala. Tem sempre quem gosta de estar a par da vida romântica/afetiva/conjugal de alguém; quem fica horrorizado com o fim do casamento de famosos que mal começou; quem se delicia com as imagens minuciosas do interior da mansão desse ou daquele artista; quem gosta de ver as tendências de moda lançadas por algum bonitinho de musculatura definida; quem vê a modelo ao lado dele (do bonitinho) cheia de estria e celulite; quem critica a cara caída da atriz que não entrou na neurose do botox; quem critica a atriz de cara inflada de botox; quem lê minuciosamente as fofocas da QUEM na sala de espera do dentista; quem curte visualizar o perfil completo de determinado blogueiro...

Dias atrás eu estava vendo a Oprah em seu programa, pedindo a cinco apresentadoras de peso que confessassem o que levam a tiracolo por aí. Para deleite das curiosas de plantão – inclusive da própria Oprah e da telespectadora aqui rss- de Ipad a livro volumoso, se viu alguns hábitos pessoais  sendo captados em meio a risadas gostosas e sadias. Bem, sadias até certo ponto, pois vai saber o que se passa na cabeça de quem está ali se divertindo com aquele flagrante da vida pessoal daquelas famosas... Aliás, é sempre bom estabelecer o limite da paranóia até mesmo em uma inofensiva exposiçãozinha assim. Ou seja, tudo depende do que rola lá no nosso coraçãozinho malicioso. É onde entra esse pequeno órgão que a nossa boca abriga e que é chamado língua. (Mas isso já é outra história. Ou não.)

Portanto, comecemos por relaxar, despindo-nos das vestes rigorosas e inflexíveis, pois até no mais orgulhoso nariz pra cima intelectualóide e corretíssimo que possa existir, uma ponta de curiosidade acerca da vida do outro sempre rola; seja curiosidade acerca de quem ele considera inferior ou daquele que o ameaça no seu troninho de araque. E todo mundo comenta alguma coisa. Faz parte das relações sociais. Principalmente em época de total exposição como hoje, onde privacidade é o que menos se resguarda nas redes sociais pelo mundo afora, estimulando um voyeurismo em novíssima versão.

Bora combinar, pra que coisa mais exposta do que blog? Nele somos permissivos apesar de acionarmos a ferramenta disfarces/justificativas. É um verdadeiro convite a uma espécie de voyeurismo literário por meio do qual cada um se expõe, se indispõe, se coloca por inteiro, curte glamour e popularidade, desabafa, dá a cara a tapa, faz provocações, perde tempo precioso com questões tolas, escancara a alma... E ninguém venha me dizer que vez por outra não se diverte. Portanto, apesar de detestar rótulos, arrisco dizer que somos uma espécie de reality show mais comedida. Daí o cuidado em qualificar esse ou aquele programa como inadequado ou deseducativo. (E aqui eu nem me refiro às aberrações televisivas, pois um mínimo de bom senso é sempre bom)

Essa tal curiosidade inerente ao ser humano é simplesmente alimentada por determinados programas como realities shows. Trata-se de um entretenimento no qual o exibicionismo combina com a vontade de assistir. Daí a audiência de milhares de brasileiros de todos os credos e faixas etárias, as mais diversas, a esse tipo de programa. Eu, pelo menos, adorei assistir a vida da família Osbourne tempos atrás. Não se trata de um programa cultural, nada que me `edificasse´, mas também nada que eu dissesse a mim mesma em tom boçal e intransigente: “desligue essa porcaria e vá ler um livro”. Foi meu momento cultura inútil no qual euzinha me diverti pra caramba e pronto! Amo abobrinha, faz um bem enooooorme para a pressão arterial.

Veja o BBB, por exemplo. Tão criticado e tão visto! Sim, pois (quase) todo mundo sabe pormenores a respeito... E (quase) ninguém assiste! Que mágica é essa?! É adivinhação, bruxaria?! Como se detesta tanto assistir a algo e ao mesmo tempo o define com riqueza de detalhes super atualizados? Ora, em qualquer coisa que detesto ver, estabeleço um mínimo de coerência entre minha aversão e as informações quentinhas a respeito. Se eu tenho aversão, como posso supervalorizar nas suas minúcias? Pois entendo que quando detestamos uma coisa, uma pessoa, uma ideia, seja lá o que for a tendência é mantermos distância, nos afastarmos, sermos indiferentes. Caso contrário, denunciaremos uma simpatia, uma atração, um não-querer mais que querer demais e que faz jus ao emprego da máxima “quem desdenha quer comprar”.

Contrariando um repente que circula por aí criticando B.B.B., eu não acredito que uma pitada de preguiça mental provoque alienação. Pra que esse rigor todo? Tanta coisa que eu não curto e nem vejo como entretenimento também, e aí? Gosto é gosto, como disse outro dia minha amiga Rita a esse respeito. Euzinha da Silva é que não vou bancar a seletiva chata e deixar de consumir as minhas abobrinhas e dar boas risadas só porque tem uma parcela que simplesmente não curte o mesmo que eu. (Será?! rss) E confesso que foi bem divertido, além de um incrível exercício de liberdade pessoal, como em tudo na minha vida...

Ora, espiar a vida dos outros é hábito muito antigo e remonta a vida em tribos. Hoje, essa vida tribal apenas mudou o nome para global acompanhando sua devida evolução. Evolução que, diga-se de passagem, estranhamente tem aproximado as pessoas de maneira muito superficial. E as redes sociais são alguns dos vilões modernos que, muitas vezes, além de nem aproximarem tanto as pessoas, ainda reduzem irônica e drasticamente a sua privacidade. Chegam a dizer que perdeu a graça porque não há mais o gostinho de espionar a vida do outro, uma vez que já está tudo tão explícito. Só que, isso não é `culpa´ da tecnologia, mas tão somente das perversões do coração que desvirtuam o sentido das ferramentas utilizadas nas relações sociais desde que o mundo é mundo. Enfim, suponho ser uma boa dica, que em vez de posar de bom moço quando se está criticando certos serviços oferecidos, se use de determinado critério. Não um critério falso-moralista. Mas uma dosagem (ou filtro) que seja simplesmente ético. Sem jamais esquecer de ser LEVE...


Texto relacionado:

B.B.B.


4 comentários:

Casal 20 disse...

BÁRBARO! Que texto legal! Verdade pura.

Regina, devo confessar que a nossa saída de Brasília (e olha que Brasília é pequena) para uma cidadezinha ainda mais pequena causou os seus choques culturais.

Entre os choques, o que mais assustou foi o de TODO MUNDO na rua saber o que a gente faz, que hora a gente chega, perguntar por que demoramos e por que não saímos ainda! Olha, acostumar com esse patrulhismo demorou (rsrsrsrs).

Abraços sempre afetuosos, querida.

Regina Farias disse...

Fábio e Lu,

Sei bem do que vcs estão falando, pois eu também nasci e passei grande parte da minha vida em cidade pequena, onde as pessoas olham com mais atenção para a vida dos outros rss

Mas, em meio à luta contra essa mentalidade provinciana que travei durante longo tempo, preciso ser justa e reconhecer o lado positivo dessa proximidade, pois convivi com muita gente hospitaleira e solidária e que até hoje, depois de muitos anos de ausência pelas circunstâncias, sei que ainda posso contar.

Há sempre os dois lados da moeda, né? Ainda bem:)

Meu carinho, sempre!

Rê.

René disse...

Rê,

Gostei muito da abordagem que você fez ao assunto, mas vou continuar sem assistir ao BBB!!! rssssss

Moro em um lugar pequenérrimo e, talvez por isto, visualizei com facilidade tudo o que você disse. E é fato: existe curiosidade em todo ser humano! Disse que 'visualizei', porque sempre fui ensinado que 'a curiosidade matou o gato' e, como eu gosto muito de gatos, sempre 'soquei' minha curiosidade pra dentro de mim mesmo. Na inocência da infância, eu achava que, ao ser curioso, algum gato morreria!!! rsss Demorou pra cair a ficha!!!

Mas, nesse meio tempo, me acostumei a não querer saber dos outros, mais do que se vê. Talvez, até, isto tenha me dificultado em fazer amizades, por não me aprofundar naquilo que os outros viviam. E isto me leva a concluir que, também nisto, deve haver moderação, bom senso. Nem tanto, nem tão pouco. Aliás é isto que diz a Sabedoria, com relação a tudo, não?

Abração e Paz!

Regina Farias disse...

René,

Eu também fui criada assim, minha mãe e meu pai repetiam quase em mantra "cuide da sua vida", "deixe a vida dos outros", "quem cuida da vida dos outros esquece da sua", e por aí vai. E confesso que não me interesso muito por ser meio distraída, muitas vezes passando até por descuidada, desinteressada... Mas eu me preocupo sim, com o bem estar das pessoas, só que tenho muita cautela desde que me entendo por gente, em não entrar na vida dos outros. Até meus filhos cobram, achando que eu ficar "na minha" é porque eu não estou me importanto com determinado problema, por exemplo, mas é porque eu não gosto mesmo de passar por intrometida. Sou assim, por natureza e a educação que recebi reforça isso mais ainda, mas por outro lado, não sou perfeita, vez em quando me divirto com algum comentário que me fazem... abafa rsss Sou nooooormal, tá? :)

To com vc, na dúvida em qualquer coisa, aciona-se o bom senso!

Quanto ao BBB fique frio, não tenho intenção de induzir ninguém, meu poder de persuasão é muito fraco rss Apenas eu curto analisar certos comportamentos, traçando certos paralelos... Tá ligado?

O&A

R.