"NÃO EXISTE NENHUM LUGAR DE CULTO FORA DO AMOR AO PRÓXIMO"

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segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O 'fundamento' do acesso a Deus


I

Se eu quiser falar com Deus

Tenho que ficar a sós

Tenho que apagar a luz

Tenho que calar a voz

Tenho que encontrar a paz

Tenho que folgar os nós

Dos sapatos, da gravata

Dos desejos, dos receios

Tenho que esquecer a data

Tenho que perder a conta

Tenho que ter mãos vazias

Ter a alma e o corpo nus


II

Se eu quiser falar com Deus

Tenho que aceitar a dor

Tenho que comer o pão

Que o diabo amassou

Tenho que virar um cão

Tenho que lamber o chão

Dos palácios, dos castelos

Suntuosos do meu sonho

Tenho que me ver tristonho

Tenho que me achar medonho

E apesar de um mal tamanho

Alegrar meu coração


III
Se eu quiser falar com Deus

Tenho que me aventurar

Tenho que subir aos céus

Sem cordas pra segurar

Tenho que dizer adeus

Dar as costas, caminhar

Decidido, pela estrada

Que ao findar vai dar em nada

Nada, nada, nada, nada

Nada, nada, nada, nada

Nada, nada, nada, nada

Do que eu pensava encontrar

(Gil/1980 - Se eu quiser falar com Deus)
 


Quando Gil lançou esse belo e triste poema, me chamou à atenção o fato de um artista completamente avesso a convenções impor a si mesmo condições tão formais para ter intimidade com Deus. Submetendo-se aos conceitos rigorosos e inflexíveis que, em vez de aproximar, nos apontam a forte herança judaica e católica de uma divindade distante e inalcançável.

E até entendo que a alma do artista é aparentemente mais desnorteada e tristonha justamente pela sua sensibilidade à flor da pele em meio ao caos existencial. E, talvez por isso, suas ânsias angustiadas ganhem total expressão nesse poema musicalizado, ainda que meio confusos.

Porém, como a tendência é sempre a de interpretar conforme a própria bagagem de vida, esse meu primeiro insight me pegou um tanto bloqueada, embaçando-me a vista. Desliguei-me da viagem poética, centrando-me nas exigências vãs e contraditórias do termo 'TENHO QUE' da cultura religiosa normativa, litúrgica e dogmática; e que nos conduz - e nos induz - a ver a necessidade premente do indivíduo em fazer algum esforço pessoal para se chegar a Deus. E então poder dizer ao envaidecido si mesmo : eu alcancei porque fiz.

Em análise posterior - e para o meu alívio - percebi depois que o poeta, ainda que em busca inconsciente, (III) e sem saber bem que só um Deus pessoal sacia a fome da alma, ainda assim, despoja-se das tensões produzidas culturalmente: as produzidas pela mente (II) e as que dizem respeito a meras exterioridades (I) - ambas correlatas e não menos nocivas, limitadas e escravizantes - e que se opõem ao homem em sua existência na presença de Deus e na existência de Deus em sua própria vida.

A grande sacada é que o homem crescido e despretensioso, cansado de curvar-se a tanta exigência, despe-se das vestes impostas e finalmente aventura-se - entregando-se - sem nenhuma corda pra segurar. E, dando as costas a esses tais elementos - concretos e abstratos - que insistem em fazer parte de sua suposta santidade, percebe que essa estrada que ele decidiu tomar não vai dar em absolutamente nada do que ele pensava encontrar.

E esse NADA, repetitivo e contundente, nada mais é do que a certeza de quem se entrega cada vez mais...

Sabendo cada vez menos.

O nome disso é FÉ.

- Se eu quiser falar com Deus...?!

Simplesmente me prostro.

E não, necessariamente, o corpo (pois Deus não liga para performances). Mas, essencialmente, a alma deve estar prostrada!





"Subiste às alturas, levaste cativo o cativeiro".

(Salmo 68.18)


"Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado"

(Salmo 51.17a)


"Cria em mim, ó Deus, um coração puro 
e renova dentro de mim
um espírito inabalável".
(Salmo 51.10)




2 comentários:

Vera Porto disse...

Oi Regina!
Eu sou artista e acho que não é nada difícil se comunicar com Deus.
O que nos falta é a capacidade de nos ouvír-mos a nós mesmos e aos outros. Essa é a comunicação que deveria ser exercitada todos os dias e então, poderíamos ouvir Deus com muito mais naturalidade.

Regina Farias disse...

Pois é, Verinha...

Nós é que nos distanciamos impondo barreiras.

E valeu pela visita e pelo comentário.:)

Beijos,

R.