I
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
II
Se eu quiser falar com Deus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
III
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
(Gil/1980 - Se eu quiser falar com Deus)
E até entendo que a alma do artista é aparentemente mais desnorteada e tristonha justamente pela sua sensibilidade à flor da pele em meio ao caos existencial. E, talvez por isso, suas ânsias angustiadas ganhem total expressão nesse poema musicalizado, ainda que meio confusos.
Porém, como a tendência é sempre a de interpretar conforme a própria bagagem de vida, esse meu primeiro insight me pegou um tanto bloqueada, embaçando-me a vista. Desliguei-me da viagem poética, centrando-me nas exigências vãs e contraditórias do termo 'TENHO QUE' da cultura religiosa normativa, litúrgica e dogmática; e que nos conduz - e nos induz - a ver a necessidade premente do indivíduo em fazer algum esforço pessoal para se chegar a Deus. E então poder dizer ao envaidecido si mesmo : eu alcancei porque fiz.
Em análise posterior - e para o meu alívio - percebi depois que o poeta, ainda que em busca inconsciente, (III) e sem saber bem que só um Deus pessoal sacia a fome da alma, ainda assim, despoja-se das tensões produzidas culturalmente: as produzidas pela mente (II) e as que dizem respeito a meras exterioridades (I) - ambas correlatas e não menos nocivas, limitadas e escravizantes - e que se opõem ao homem em sua existência na presença de Deus e na existência de Deus em sua própria vida.
A grande sacada é que o homem crescido e despretensioso, cansado de curvar-se a tanta exigência, despe-se das vestes impostas e finalmente aventura-se - entregando-se - sem nenhuma corda pra segurar. E, dando as costas a esses tais elementos - concretos e abstratos - que insistem em fazer parte de sua suposta santidade, percebe que essa estrada que ele decidiu tomar não vai dar em absolutamente nada do que ele pensava encontrar.
E esse NADA, repetitivo e contundente, nada mais é do que a certeza de quem se entrega cada vez mais...
Sabendo cada vez menos.
O nome disso é FÉ.
- Se eu quiser falar com Deus...?!
Simplesmente me prostro.
E não, necessariamente, o corpo (pois Deus não liga para performances). Mas, essencialmente, a alma deve estar prostrada!
"Subiste às alturas, levaste cativo o cativeiro".
(Salmo 68.18)
"Sacrifícios agradáveis a Deus são o espírito quebrantado"
(Salmo 51.17a)
"Cria em mim, ó Deus, um coração puro
e renova dentro de mim
um espírito inabalável".
(Salmo 51.10)
2 comentários:
Oi Regina!
Eu sou artista e acho que não é nada difícil se comunicar com Deus.
O que nos falta é a capacidade de nos ouvír-mos a nós mesmos e aos outros. Essa é a comunicação que deveria ser exercitada todos os dias e então, poderíamos ouvir Deus com muito mais naturalidade.
Pois é, Verinha...
Nós é que nos distanciamos impondo barreiras.
E valeu pela visita e pelo comentário.:)
Beijos,
R.
Postar um comentário