"NÃO EXISTE NENHUM LUGAR DE CULTO FORA DO AMOR AO PRÓXIMO"

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sábado, 12 de dezembro de 2009

Eu sei, mas não devia




Eu sei que a gente se acostuma.

Mas não devia.






A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.


Esse texto veio parar aqui por meio de uma pregação do Ricardo Gondim que eu ouvi hoje no blog do João com base no texto de Lucas 22: 54.62 (EU RECOMENDO!)

Como diz o pastor: a palavra de ordem do cristianismo é PERSEVERANÇA.
E dizer: SENHOR, EU SOU TEU!

"... todavia, o meu justo viverá pela fé; e: se retroceder, nele não se compraz a minha alma"
(Hb 10.38)






4 comentários:

Regina Farias disse...

Texto que nos dá uma sacudidela forte impulsionando-nos a sair do marasmo.
Como diria o RG.
Pedro estava tão anestesiado na alma, num tédio existencial tão grande que ficou ali INERTE a ponto de sentar naquela roda, aquecendo-se no mesmo fogo dos escarnecedores!!!
Quando a gente que não quer correr riscos lá fora da "segurança da igreja", não quer pagar o preço por sair do conforto, não ser visto ou apontado, fica assim, morno, cabisbaixo, anônimo.

Regina Farias disse...

Lembro da excelente palestra do Mário Sérgio Cortella que recebi do meu filho Jr por e-mail, quando ele encerra citando o monge beneditino do século XVI, Françoise Rabelet que diz: "Conheço muitos, que não puderam quando deviam, porque não quiseram quando podiam".

Vale a pena e é urgente!

Todo pai e toda mãe deveria assistir a essa palestra na íntegra:


http://www.youtube.com/watch?v=89BMhivvRFE

http://www.youtube.com/watch?v=ome3uj0PjlA&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=ggvx6c-_yJk&feature=related

http://www.youtube.com/watch?v=i-Oifx9oEcU&feature=related

Leonardo Gonçalves disse...

Oi Regina,

Excelente publicação, daquelas que dá vontade de arregaçar as mangas, sacodir a poeira, tirar o pé do freio, botar a boca no mundo!

...Mas, estou tão cansado! Acho que vou fazer isso amanhã (risos!).

Brincadeiras à parte, passei para dar um oi, e achei esse texto maravilhoso aqui.

Abração pra ti, maninha!

Leonardo.

Regina Farias disse...

Leonardo

Que prazer tê-lo aqui!

Apareça mais vezes ( sem pressa rss) e não apenas pra dar o oi que eu amei, mas também para ler e fazer as suas considerações que eu tanto aprecio.

Valeu!

R.