Tentações de todos os tipos e de todas as formas, indo de realidades subjetivas às mais grotescas vontades de realizações objetivas e concretas. Quem não as tem? Quem nunca as teve? Quem jamais as terá?
Não é de admirar que o Evangelho inicie praticamente com este tema e que Jesus tenha nos mandado vigiar e orar para não se cair em tentação. E com este cair em, Ele revela as estações da tentação e que têm a ver com as dinâmicas psíquicas de nosso ser.
E quando Ele mandou orar para evitar a tentação, não ensinava a devoção neurótica (vou orar contra a tentação) nem a atitude paranóica (poderei ser atingido pela tentação a qualquer momento). O que Ele ordena é que se encha a mente de oração, de um falar constante com Deus, um falar consigo mesmo em Deus; de tal modo que o pensar não é de si para si, mas acontece em Deus, vivendo em permanente estado de conferência com Ele.
No Pai Nosso, Ele vincula o 'não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal', ao contexto antecedente, que fala de estar cheio e tomado pelo Pai; pelo desejo de que Seu nome seja em nós santificado; que seu reino cresça em nós; que a vontade Dele tenha seu lugar e chão em nós; além de nos remeter para a busca do que é do céu aqui na Terra.
Esse tema da tentação é interminável, como infindáveis são as pulsões de tentação humana. E o melhor que se pode fazer por si mesmo na hora da tentação, não é pensar que podemos vencê-la, mas sim que não temos o poder, em nossa carne, para combatê-la. E descansarmos em relação à tentação, pois ela se alimenta de nossa luta contra ela. Ou seja: quanto mais se enfrenta a tentação como tal, mais ela cresce em nós; e se orarmos contra ou em razão dela, mais ela se 'fixa' em nós; tornando-se uma devoção diabólica; fazendo-nos 'orar' contra aquilo que só se torna o que tememos quando é tratado como tal.
A única maneira de enfrentá-la é nos desobrigarmos de conversar com ela ou de respondê-la. Ou de mostrar para Deus e para nós mesmo que temos o poder do livramento e que, por isso, a venceremos. Porque o 'poder do livramento' do qual nos fala Paulo - escrevendo aos coríntios - só se efetiva na vida daquele que descansa no livramento que já é; e que não apenas será se o tornarmos real por nossas próprias forças!
Quando confiamos na Graça e no amor de Deus por nós, toda tentação perde seu poder; e se descansarmos na certeza de que Jesus já foi também tentado por nós, conhecendo cada uma de nossas fraquezas ou tendências, mais vicária e transferível, pela fé, será a vitória de Jesus em nosso favor. E isto, se houver confiança e descanso, pois descansando é que se vence a tentação, confiando na fidelidade e na imutabilidade do amor de Deus. Somente assim recebemos o poder de resistir. Ou de suportar a tentação. Desse ponto em diante as tentações deixam de ser “sobre-humanas”, e se tornam apenas humanas; e, portanto, reduzidas ao nosso próprio nível, deixando de ser um poder irresistível.
As tentações crescem na medida em que nossas pulsões psicológicas, provocadas pelas nossas próprias cobiças (insegurança essencial) - e que são os agentes progenitores do que chamamos tentação - se aninham e se fixam em nós como medo de Deus e de Sua punição. Por essa via elas apenas aumentam, visto que tal realidade existencial e psicológica aceita a provocação do "medo de estar sendo tentado".
Do mesmo modo elas crescem em razão de nosso debate com elas. Tentação come medo e se alimenta do seguinte cardápio: oração amedrontada, debate psicológico, discussão com ela, medo de Deus; e também de seu oposto, que é a arrogância que julga que por força própria se pode vencê-la. Quem já não tem justiça própria, não tem mais assunto com nenhuma tentação!
Quando a gente aprende isso, a tentação começa a perder o poder; posto que se alimenta de nossas importâncias; e sobretudo de nossa justiça-própria, de nossa necessidade de dar explicações a nós mesmos e aos céus; e, sobretudo, do medo de estar sendo tentado!
Quem desejar, pratique; e verá como as tentações não suportam a confiança e o descanso na Graça; e isso, em silêncio que nem ora contra, mas apenas ora em gratidão! O grande problema é aprender isso como confiança, na prática. E não, como 'teoria'.
E mais: aprender a ser grato e natural com Deus mesmo em tais horas críticas...