Eterno Gonzaguinha... |
Quando eu soltar a minha voz,
por favor entenda, que palavra
por palavra, eis aqui uma pessoa se entregando...
Caramba! Para mim, esse fragmento
de poesia - tristonha mas curativa - reflete exatamente o que aconteceu. Foi
assim que eu visualizei a chegada de Gonzaguinha naquele ambiente que
seria permeado de flashbacks. Numa regressão terapêutica, ele simplesmente se
entrega àquela busca por respostas a uma enorme inquietude interior.
Tudo começa quando, impulsionado pela madrasta, o esperançoso filho vai
ao encontro do pai para poder se encontrar. Ele ainda não sabia disso pois seu
coração estava cheio de amargura. Porém, à medida em que conversavam,
diferenças amenizadas, arestas aparadas... A amargura se esvaía. E eles nem
atinavam para isso! E, quanto mais barreiras iam sendo naturalmente rompidas,
maior leveza se instalava. E os laços se reintegrando... E os reais valores
aflorando... E o menino foi ficando em paz. Analogamente, talvez ele nem
soubesse que essa era a ideia: ir em busca do pai e aquietar o coração. Porque
essa sempre foi e sempre será a grande sacada da vida.
Gonzaguinha... Olhar perdido,
entristecido, introspectivo. Sem mãe, sem pai, sem família, sem infância, sem
referências. Entregue a amigos do pai enquanto o pai perseguia um estranho
sonho.
Gonzagão. Este era o seu pai.
Famoso. Reverenciado. Adorado pelo povo. Este homem obstinado que atravessou as
fronteiras dos corações dos quatro cantos do Brasil, mas não abriu o próprio
coração nem tampouco alcançou o coração que importava alcançar. O do filho.
Este era o pai de Gonzaguinha que
seria desde sempre, o centro de suas crises existenciais. A mãe, não. Era caso
resolvido. Já estava ausente. Já havia ido embora para sempre. Fica apenas a
triste saudade. Sua grande frustração era a certeza de um pai omisso e egoísta tão
presente e tão distante. Este pai, que ainda adolescente, persegue sua meta esquecendo-se dos valores
principais, obcecado em provar que não era um ‘sem eira nem beira’.
E, assim, enquanto se desenrola a
história da vida do pai, se revela na alma do filho a ânsia de todo ser humano:
sarar as feridas, remir as dores, reatar os laços, resgatar a vida. E isso só
se consegue quando se está decidido, pois que é efetuado o querer em nosso coração.
E isso foi o que quis o poeta. Ele
sai de um falso habitat e segue rumo
às suas raízes. Enfrenta a capa de superioridade de um pai envolto no glamour e
consegue conduzi-lo ao foco de sua perseguição, trazendo à tona sua emoção mais
escondida. É quando tudo acontece. É quando cai a ficha. É quando ambos se
curam de suas feridas mais doridas. O pai que reconhece, se humilha e,
simplesmente, pede perdão. Eis o clímax! Momento denso. Desconcertante. (A forte impressão que me causa é
que a plateia em cheio para de respirar no exato momento, em perfeita sintonia
de orquestração, ao mesmo tempo gritante e silenciosa).
Há, ainda, a preciosa figura da
conselheira que, muito mais do que uma simples doméstica, desempenha com maestria
o papel de sábia conciliadora. De um lado, trata de acalmar o coração do filho, revoltado com um pai meramente provedor;
de outro lado, sacode o pai artista/sonhador chamando-o a razão para o
que há de mais precioso na vida.
Aliás, são duas as mulheres
marcantes nesse reencontro. A primeira - lá do início - faz papel de
intermediadora como querendo se redimir. Ela diz: seu pai precisa de você – mesmo sem nunca ter percebido o quanto
ele precisou do pai e sem sequer imaginar que assim estaria unindo a ambos.
Tudo é um processo. Impressiona o
desenrolar dos conflitos interiores do filho que culmina com o pedido de perdão
por parte do pai desconfiado, omisso e egoísta. Não há segredo nem mágica. Há disposição, entrega,
desarmamento total. O perdão e o amor fecham a questão.
Há o filho que insiste em
procurar o pai, ainda que todo desmontado, ferido, mas em busca de respostas. E
por amor, unicamente. O pai, por sua vez, após um longo período de teimosas
racionalizações para o glamour em que vive, finalmente cai em si e, reconhecendo as tremendas vaciladas, diz: filho, me perdoa. Pronto,
ali toda a dor se neutraliza. Porque há CURA.
Filme de fotografia impecável, a irônica
reflexão fica por conta do final, onde um singelo juazeiro dá sombra aos dois
que se reconciliam em frente à casa abandonada do poderoso coronel que
provocara o pai de Gonzaguinha a sair mundo afora. Para ‘provar’ o que era
vão...
RF.
3 comentários:
Esse texto lindo e visceral já está lá no Cinema Com Graça!
beijos!
Eu vi! E amei a 'formatação'.
Valeu!
A VERDADE DÓI MAS CURA!!!
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