"NÃO EXISTE NENHUM LUGAR DE CULTO FORA DO AMOR AO PRÓXIMO"

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segunda-feira, 28 de junho de 2010

Eu dou o pé e ele quer a mão




Vez em quando, de um modo ou de outro, essa frase chega aos meus ouvidos, inquietando-me a alma, incomodando-me e intrigando-me mais, quando percebo que sai da boca de pessoas que se dizem cristãs. E, justamente por isso, hoje eu resolvi escrever algumas palavras meio fortes, tipo puxão de orelha mesmo, baseada nesse distorcido dito popular, pelo simples fato de ser oposto ao Evangelho.

Não que eu me escandalize, mas me entristece ver pessoas que vivem praticamente dentro da igreja, usando expressão assim, mesquinha e humilhante, tão carregada de desamor, e o que é pior, pondo em prática algo que nada tem a ver com o que Cristo nos propõe. Que, aliás, não é proposta. É mandamento mesmo!

“Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros;

assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros.”

(Jo 13.34)

Vida em Cristo é seguir (seguir = praticar) esse NOVO mandamento que, na verdade, de novo nada tinha (Lv 19.18). Apenas tornou-se novo na boca de Jesus (Jo13.34) por tratar-se de um AMOR VISÍVEL, aliás, DO AMOR QUE ESTAVA ALI, em Pessoa!

Aliás, se atentarmos para Os Mandamentos perceberemos que os mesmos estão firmados em duas bases sólidas: no nosso relacionamento com Deus e no nosso relacionamento com o próximo.

Daí Jesus falar para a mulher da Samaria sobre os verdadeiros adoradores pelos quais o Pai procura... (Jo4.23)

Então, eu trago essas mensagens para o cotidiano refletindo no seguinte: de que me serve ir à “igreja” e adorar a Deus, entoando cânticos lindíssimos, ajoelhando-me e até derramar todas as lágrimas, esperando uma palavra que fale diretamente ao meu coração, SE ao chegar do lado de fora eu viro o rosto para o meu semelhante e sou indiferente às suas necessidades? (Ver Mateus 25: 31 a 46)

Dar o pé...

Fico aqui a imaginar o que significa, na prática, dar o pé. Vai ver que é porque com o pé que eu estabeleço o limite, o muro, o quadrado - Ah, sim! O quadrado, mais novo vocábulo que designa o mundinho pessoal - onde eu simplesmente empurro (com o pé, óbvio!)  a ajuda, a comida, o agasalho, seja lá o que for, e o suposto ajudado nem chega perto de mim. Eca. Seu cheiro, seu suor, seus costumes, suas diferenças... Beeeem longe pois não quero nem inalar, vai que eu me contamino...

Mantenha-se à distância, seria a palavra de ordem perfeitamente clara naquela atitude muda e gritante.

Na minha cabecinha inteligente e, portanto, repleta de justificativas e racionalizações, seria mais ou menos assim: bem... Vou dar uma ajudinha financeira àquele cara, acompanhada de meia dúzia de palavras ensaiadas, afinal qualquer coisa que eu fizer vai ser de bom tamanho já que ele está mesmo numa pior.

Por outro lado, eu saio beneficiada duplamente, pois ele me deixará em paz, ufa! – afinal já fiz a minha parte com ele - e assim alivio a minha consciência e de quebra, driblo as exigências divinas. E o que é melhor: as pessoas ao meu redor vão achar que eu sou a tamporosa. (Tampa* + piedosa)

E mais: que eu não misture as coisas e deixe bem claro na minha mente que é só isso: uma ajudazinha aqui, outra ajudazinha ali... porém sem mexer comigo, olhe lá! Sem me incomodar, faz favor! Sem me tirar da minha zona de conforto! Ele lá e eu aqui, afinal, cada um no seu quadrado, ora!  E ele nem me conte seus problemas que eu já tenho os meus!

Assim, eu sigo esse meu próprio caminho que eu mesma tracei, embarco nessa minha falsa piedade cotidiana sempre agendando meus próprios horários, com o cuidado de aproveitar encaixes legais e bonzinhos, do tipo dar uma passadinha hoje lá na casa daquela “irmãzinha” que está tão dodoizinha, coitada, daí – com toda naturalidade - eu solto algumas frases de efeito e até deixo algum trocado... Ah, Já sei, umas flores e pronto! Perfeito! Ou não? Talvez uma “feirinha”...  Bom, vai tudo logo, pacote completo! O importante mesmo é não esquecer que saindo de lá eu dou um jeito de comentar “casualmente” com uma amiga, na primeira oportunidade.

Desse modo, meu perfil caridoso se fecha com chave de ouro naquela semana.

Além do mais vou ter a certeza de que tô bem na fita com Deus e ainda vou ter o reconhecimento das pessoas à minha volta. Isso sim, é que é ser cristã! Batam palmas pra mim!

Então, eu vou ficar tão cheia de mim, que nem vai dar pra eu perceber que aquela minha atitude tem tudo a ver com o meu ego, a minha vaidade, a minha arrogância, a minha própria conveniência, o meu narcisismo, a minha prepotência, e, acima de tudo, a minha falsa superioridade espiritual. Posto que a minha cegueira religiosa, seca e endurecida, vai se encarregar de me impedir enxergar que toda essa performance montada, robotizada, encenada, não tem absolutamente NADA a ver com o Evangelho. Nada a ver com uma vida em Cristo e TUDO a ver somente comigo: eu, euzinha e eu mesma!

Isso me reporta aos dias missionários de Jesus, quando ele rebatia com veemência a HIPOCRISIA e o DESAMOR dos fariseus e sua falsa aparência de justos e abençoados. Pois bora combinar, era quando Ele fazia barulho pra valer! E eu estou certa de que JESUS requer de nós a mesma atitude. Precisamos repelir com severidade a falsa ajuda que realimenta o vício da hipocrisia e da pseudo-compaixão, começando por nós mesmos, repudiando qualquer pensamento ou ação que nos remeta ao nosso exibicionismo pessoal em detrimento da verdadeira hospitalidade do coração.

Os fariseus, tão cheios de religiosidades, normas e rituais que só tinham a ver com suas próprias exterioridades, empenhavam-se nessa exacerbada preocupação e esqueciam-se do principal: a compaixão. Por isso Jesus os deixou perplexos com a parábola do samaritano. (Lucas 10:25.37)  Se observarmos bem, trata-se muito mais de ATITUDE do que de palavras, daí Agostinho dizer: Pregue o Evangelho, se necessário use palavras. O samaritano AGIU usando de poucas- e decisivas - palavras. Isso é Evangelho puro e simples! E mais: ilustrado em parábola pelo próprio Mestre! E ainda hoje tem gente perplexa com a simplicidade do Evangelho. E, como não querem enxergar o quanto é simples a vida com Jesus - porque para isso precisariam sair da sua zona de conforto - distorcem a Palavra de Deus e saem por aí maltratando as pessoas, crentes que estão sendo crentes. Pisando na cana quebrada em impressionante frieza acompanhada de frases feitas do tipo esquece, deixa pra lá,  foi melhor assim, isso vai passar...

Pois é.

A vida com Jesus é simples... mas não é fácil. Não é fácil porque tem gente que não quer sair da sua comodidade para cumprir verdadeiramente com o Seu mandamento. E vai seguindo seu caminho, cheia de justiça própria e cantando:

“Meu caminho pelo mundo eu mesma traço, quem sabe de mim sou eu”.

Quando Paulo escreveu a Timóteo usando a epístola para encorajar uma vida cristã coerente, ele fala de atitudes que iriam permear a sociedade constantemente, de tempos difíceis nos quais os homens seriam arrogantes e egoístas; e, entre outras características mais tenebrosas, ele fala dos desafeiçoados (desafeiçoado = sem afeição) alertando acerca daqueles com aparência de piedade.
E o que ele diz desses tais? Para FUGIR DELES!

Disse Jesus:

“E, por se multiplicar a iniquidade,

o amor se esfriará de quase todos.”

(Mt 24.12)



*Tampa de crush – “o cara” - expressão regional usando nome do refrigerante; com o tempo foi reduzida a “tampa”.

RF.

Um comentário:

Ever.TON disse...

Rê gostei.

"Então, eu vou ficar tão cheia de mim, que nem vai dar pra eu perceber que aquela minha atitude tem tudo a ver com o meu ego, a minha vaidade, a minha arrogância, a minha própria conveniência, o meu narcisismo, a minha prepotência, e, acima de tudo, a minha falsa superioridade espiritual."

"Precisamos repelir com severidade a falsa ajuda que realimenta o vício da hipocrisia e da pseudo-compaixão, começando por nós mesmos, repudiando qualquer pensamento ou ação que nos remeta ao nosso exibicionismo pessoal em detrimento da verdadeira hospitalidade do coração."

Concordo. O Bacana é que Jesus ilustrou na parabola da bondade usando um personagem 'discriminado' na época. O 'samaritano'. E na moral da história, temos que ser iguais.
Um cara que viu a necessidade, parou, mesmo com a possibilidade dos assaltantes ainda estarem ali e o ferirem também. Ele socorreu, deu hospedagem e foi embora - não esperou recompensas. Sendo o socorrido o Rei ou mendigo , foi ajudado.

Lucas 10;36 e 37
Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?
E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira.

abs